A atuação dos “déspotas do sertão” na implantação da ordem constitucional em Minas Gerais: a lógica do não conhecer subordinação.

Abstract

A atuação dos "déspotas do sertão" na implantação da ordem constitucional emMinas Gerais: a lógica do não conhecer subordinaçãoThe role of the "despots of the hinterlands" in the implementation of constitutional order in the State of Minas Gerais, Brazil: the logic of not knowing subordinationAna Rosa Cloclet da Silva* IntroduçãoNo tangenciamento das tensões que permearam a instalação dos instrumentos produtores da unidade orgânica do novo Estado nacional, garantidores de sua soberania e legitimidade, a administração da justiça reveste-se de importância central. Isso porque, dimensão inseparável da expansão do Império português e sua administração, os negócios jurídicos constituíram tradicional locus de mediação entre Estado e Sociedade, dotado de funções não apenas repressoras, mas reguladoras das interações sociais, defi nidoras, em última instância, dos próprios limites da obediência e da revolta 1 . Nas Monarquias do Antigo Regime, com sua estrutura jurídico-política corporativa, baseada numa representação das sociedades como politicamente plurais 2 , o "fazer justiça" 11Revista de História Regional 17(1): 2012 constituía atribuição do rei por excelência, garantidora do equilíbrio social e da paz sem, contudo, autorizá-lo a intervir diretamente nas instituições encarregadas de executar a "lei", fundada no "costume" e na "tradição" dos autogovernos das corporações. Neste contexto, assume relevo uma concepção da justiça e suas funções como "norma de regulação dos comportamentos sociais", do juízo, como técnica de certifi cação das hierarquias e "mecanismo de decisão dos litígios", e dos juristas, como construtores e "mediadores das relações sociais". 3Mediante a "grande novidade estrutural do fi nal da época moderna" -relacionada, segundo Hespanha, ao "aparecimento dos Estados, o caráter 'macro' do novo modelo de organização política 'estadual' do liberalismo" -a generalização e unifi cação do direito sob a forma da lei geral 4 passa a constituir temáti-ca crucial, relacionada às possibilidades de gestão territorial do poder "nestes novos espaços alargados" 5 , agora sob o dogma da "soberania do povo".No mundo luso-brasileiro, este fenômeno se manifesta, sobretudo, a partir de meados do XVIII, quando entra em curso uma profunda mudança do imaginário político, no concernente a concepções de sociedade e poder, sob infl uência do direito natural de base racionalista. Mas é somente com a eclosão revolucionária de 1820 que se processa uma efetiva operacionalização de concepções de sociedade e poder de cunho jusnaturalista 6 , atrelando as defi nições em torno da Lei e sua aplicação à confecção de um novo "pacto social". Efetivada a ruptura luso-brasileira, seria esta dimensão estruturante do novo Estado nacional, cabendo aos deputados reunidos na Assembleia Constituinte 12Revista de História Regional 17(1): 2012 Ana Rosa Cloclet da Silva novo ideal de "representação política", alicerçado na concepção de que a "lei" criaria o "Direito" e não o contrário. 7Desde então, a reforma do sistema judiciário assumi...