As florestas urbanas do Rio de Janeiro são uma das expressões mais completas do caráter mais-que-humano das chamadas “paisagens culturais”. Longe de uma natureza intocada, as florestas cariocas são comunidades de plantas que se desenvolveram em terras anteriormente usadas para agricultura, produção de energia, abastecimento de água, e habitação humana, entre outros propósitos. Vestígios de tais atividades ainda podem ser observados em todos os cantos dessas florestas, que são atualmente áreas protegidas. Algumas dessas marcas são muito visíveis e podem ser notadas por qualquer pessoa: tanques de água, escadas, arcos, plantações de banana e similares. Mas alguns outros traços são tão organicamente integrados na paisagem que apenas um olho treinado pode discerni-los; por exemplo, seções inteiras de floresta dominadas pela jaqueira, uma espécie asiática, bem como pequenos platôs esculpidos na encosta com solos estranhamente enegrecidos. Neste artigo, investigamos as origens desses dois traços da paisagem. Usando trabalhos de campo, fontes escritas primárias e iconografia, além da historiografia relevante, este trabalho de reconstrução histórica revela a interpenetração inextricável entre, de um lado, processos socioeconômicos e culturais – como a expansão da agricultura mercantil e a expansão urbana – e, por outro, processos ecológicos, como sucessão secundária e invasão de ecossistemas. De fato, como argumentamos, ambos fazem parte do mesmo mundo da vida em movimento, uma rede contínua de relacionamentos mais-que-humanos que gera cidade e floresta a um só tempo. Essa dialética socionatural é responsável pelo fato do Rio de Janeiro atualmente ser uma cidade cheia de florestas que, se cuidadosamente inspecionadas, se revelam cheias de história urbana.