Em 15 de janeiro de 1624, um tumulto irrompeu no México, forçando o vice-rei a abandonar o palácio em que residia para salvar a própria vida. Como consequência, a Audiência Real assumiu o governo da Nova Espanha até que Felipe IV nomeasse outro vice-rei, o que causou debates encarniçados dos dois lados do Atlântico e acusações de parte a parte. Quem eram os responsáveis e quais eram as causas do motim que na prática destituíra o Marquês de Gelves? Tal pergunta está na origem da pesquisa apresentada neste artigo, cujo objetivo é analisar duas versões do tumulto elaboradas entre 1624 e 1629 e atribuídas ao vice-rei. Em termos metodológicos, a proposta foi examinar ambos os documentos buscando respostas à questão formulada para, em seguida, compará-las. Ao fazê-lo, notamos uma diferença sutil, mas significativa: a segunda versão negava enfaticamente o caráter popular do motim. Passamos então a mostrar como se deu tal negação para, ao final, oferecer uma hipótese para essa mudança. Nossa hipótese sugere que Gelves negou-se a imputar a autoria da sedição ao povo valendo-se de um imaginário político compartilhado no mundo ibérico a respeito da soberania popular. E o vice-rei o fez por duas razões. Por um lado, defender sua reputação e patrimônio, e por outro, assegurar que a autoridade real espanhola sobre a Nova Espanha não havia sido rompida. Isso se tornava mais relevante à medida que as disputas na Europa se acirravam na década de 1620 e outras potências ameaçavam os domínios ultramarinos da Espanha.