A população brasileira é uma das mais heterogêneas, como consequência de cinco séculos de miscigenação entre três raízes ancestrais: os ameríndios, os europeus e os africanos subsaarianos. A frequência de inúmeros polimorfismos varia amplamente entre as populações e essa heterogeneidade e miscigenação tem implicações importantes no perfil proteico herdado, que inclui as hemoglobinas humanas. 1 A miscigenação da população brasileira pode explicar discrepâncias na frequência de algumas formas de hemoglobinopatias, pois, independentemente da autodeclaração por "cor/raça" (segundo o censo brasileiro), a maioria dos brasileiros tem ancestralidade europeia e africana, às quais se soma, em um número significativo de indivíduos, a ancestralidade ameríndia. 2 A hemoglobina C, originada do Oeste da África, dispersou-se pelo mundo da mesma forma que a hemoglobina S, e hoje está amplamente distribuída. Os três haplótipos ligados a essa hemoglobina variante determinam a origem molecular dos seus portadores, como um marcador de ancestralidade. A diversidade genética da população brasileira favorece a associação de hemoglobinas variantes entre si e com outras formas de hemoglobinas anormais, como as talassemias. 3 Essas associações trazem também uma diversidade de fenótipos e manifestações clínicas, com resposta diferenciada aos tratamentos.A preocupação em identificar adequadamente essas formas interativas de hemoglobinas anormais está destacada no artigo intitulado "Hemoglobina C em homozigose e associada a beta talassemia", publicado nesse número da Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. 4 Ressaltase também nesse estudo retrospectivo a frequência dessa variante, identificada pela triagem neonatal na região de Ribeirão Preto, SP, a descrição de 12 casos selecionados e a necessidade de adequação das metodologias de diagnóstico para diferenciar as formas interativas permitindo maior compreensão para as manifestações clínicas apresentadas.Os autores evidenciam também que não foram encontradas descrições de células em alvo e esferócitos e todos os pacientes apresentavam RDW com valores anormais. Quanto à clínica, os pacientes com Hb CC tiveram esplenomegalia leve e os Hb C/beta talassemia, beta zero ou beta mais, apresentaram esplenomegalia menor. As diferenças mostradas para os dois grupos avaliados permitem, aos profissionais da área, maior acuidade nas observações para o direcionamento diagnóstico.Como a hemoglobina C é uma hemoglobina de agregação, também forma cristais intraeritrocitários, em menor frequência e intensidade que a hemoglobina S, e a associação com as formas talassêmicas favorecem a sobrevida dos eritrócitos.Trabalhos como esse desenvolvido pelos autores, contribuem enormemente para o entendimento da diversidade fenotípica das hemoglobinas na população brasileira, conduzem para um diagnóstico cada vez mais preciso, com adequada orientação aos portadores e direcionamento clínico individualizado.