Medicamentos antidepressivos: inserção na prática biomédica (1941 a 2006) a partir da divulgação em um livro-texto de farmacologia

Abstract

Este estudo investiga como os antidepressivos foram apresentados a estudantes e profissionais da área médica a partir da análise de um livro-texto de farmacologia com projeção mundial. Através de uma perspectiva histórica e etnográfica, foram analisadas onze edições da obra (1941-2006), com auxílio de recursos da Análise de Discurso. Esses medicamentos aparecem no livro-texto a partir da 3ª edição (1965). Nas edições do século XX, há referência ao uso ampliado de medicamentos psicoativos e o alerta para que não se faça uso inadequado dessas drogas, lembrando a importância da contextualização clínica do paciente a ser medicado. Nas edições do século XXI, há menos referências a essa contextualização e aos aspectos históricos do desenvolvimento dos medicamentos. Este estudo reafirma a importância da abordagem de aspectos históricos e socioculturais do desenvolvimento da farmacologia e de fármacos, como os antidepressivos, bem como da relação desses aspectos com a prática clínica e a divulgação científica dos medicamentos.

Microquímica do poder: uma análise genealógica dos psicofármacos contemporâneos

“…O primeiro psicofármaco (a clorpromazina) foi inicialmente utilizado como sedativo nos processos pré-cirúrgicos e para tratar quadros alérgicos (Côrtes, 2012, p.237;Bittencourt;Maluf, 2013, p.241). Por seus efeitos tranquilizantes, percebeu-se em 1952 que a ação da clorpromazina trazia resultados semelhantes ao da lobotomia.…”

“…e inquietação), as substâncias opiáceas em geral foram utilizadas até por volta de 1950 (Kramer, 1994, p.66). Em 1864, outro químico germânico, Adolf von Bayer (1835-1917), sintetizou o ácido barbitúrico, que chegou à prática médica no apagar do século XIX como um sedativo geral (Bueno, 2012, p.6), com amplo uso na primeira metade do século XX (Bittencourt;Maluf, 2013, p.231). Por sua vez, as anfetaminas foram produzidas pela primeira vez em 1887, também na Alemanha, 3 pelo químico romeno Lazar Edeleanu .…”

“…utilizadas como vermicidas na veterinária e como antissépticos urinários em humanos (Sadock, 2007, p.119). Posteriormente, foram aplicadas no tratamento de quadros alérgicos (Bittencourt;Maluf, 2013, p.241).…”

“…Em 1952, a clorpromazina é lançada no mercado francês sob o rótulo comercial de Largactil (Ehrenberg, 2010, p.150). No mesmo ano, o medicamento passa a ser administrado como antipsicótico a pacientes esquizofrênicos do hospital Sainte-Anne em Paris, e seu uso se estende a todos os manicômios da Europa (Bittencourt;Maluf, 2013, p.219;Whitaker, 2015, p.59). Os primeiros relatos foram que o medicamento tinha uma ação eficaz sobre a excitação e alucinação, tornando os internos mais manejáveis (acordados, mas quietos), sem os efeitos colaterais de perda de memória que se sucedia ao eletrochoque e de embotamento geral que ocorria com os barbitúricos (Siqueira, 2009, p.51;Amarante, 2017, p.82).…”

Ciências Sociais Hoje: Antropologia

“…De certo modo, o crescimento e a expansão dos trabalhos antropológicos no campo da saúde mental correm paralelamente, de um lado, ao crescimento da especialização cada vez mais acentuada e da expansão dos diagnósticos e das doenças descritas no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders -DSM) IV (publicado em 1994) e no DSM V (publicado em 2013), 19 além da própria dimensão epidêmica da depressão, apontada em estudos acadêmicos e propagada na mídia; e, de outro lado, à ampliação e à consolidação das políticas públicas desencadeadas pela reforma psiquiátrica brasileira, com a criação e a expansão das redes de atenção psicossocial, tanto na atenção primária quanto nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), assim como com o pro-cesso de encerramento gradativo dos leitos em hospitais psiquiátricos e a abertura de leitos em hospitais gerais. Assim, grande parte dos trabalhos na última década está focada na etnografia feita com pessoas que frequentam os serviços e são objeto dessas políticas públicas Monteiro, 2010;Brandi, 2014;Maluf, 2016;2017b;2017c;; nos estudos voltados às políticas públicas e às práticas do Estado nos serviços e nas instituições de saúde mental Maluf, 2014;Moreira, 2017;Andrade, 2017;Calegari, 2018;Cruz, 2018); e também na história dos saberes e das instituições psiquiátricas Venâncio, 2010;Bittencourt;Caponi;Maluf, 2013;Potengy, 2015), dando seguimento a uma linha importante desenvolvida em anos anteriores.…”