Em 2021, no primeiro semestre do segundo ano de uma devastadora pandemia, uma estudiosa veterana da área de estudos de gênero começa a ler a quarta edição de um livro paradidático da área. Escrito em linguagem direta e simples para pessoas jovens -universitárias, principalmente -, o livro bem serviria, a princípio, para uso em sala de aula em países anglófonos, ou nos diversos lugares do mundo que adotam o inglês como língua franca no ensino. E ela se pregunta sobre o valor concreto desse esforço para alunas e alunos do ensino superior no Brasil. Há inúmeros livros paradidáticos desse tipo disponíveis no mercado editorial mundial de língua inglesa, alguns mais gerais, outros mais específicos, e são todos excelentes recursos para docentes do ensino superior confrontados pelo desafio de sintetizar para seus discentes uma enorme quantidade de material relevante. O livro a que se refere esta resenha, contudo, destaca-se pela autoria: foi escrito pela renomada Raewyn Connell, grande figura não só no campo global dos estudos de gênero, como também da sociologia australiana.Já a partir da introdução, a estudiosa incumbida da tarefa de resenhar a nova edição do livro depara-se com dois fatos que a impactam: a escrita fluída, produto da intenção da autora de explicar a problemática do texto para pessoas que talvez confrontem esses debates pela primeira vez -num mundo em que eles circulem, nas grandes agendas sociais e políticas, desde os anos 1970; e o argumento, tão cuidadosamente construído, sobre as atuais condições de desigualdade de gênero, que tão pouco parecem ter mudado desde aqueles tempos do século passado. Ao olharmos através dos 'fatos brutos' dos mundos do trabalho doméstico e assalariado, das violências da vida cotidiana e das múltiplas formas de discriminação simbólica e material que sustentam persistentes diferenças em status e condições de vida -entre mulheres e homens, heterossexuais e homossexuais, pessoas 'binárias' e não binárias, e assim por diante -, o que se percebe é o peso da persistência. O que é que uma estudiosa que enfrenta a tarefa de resenhar o livro pode sentir? Tristeza e desespero? A esperança de novas luzes ou sínteses capazes de 'recarregar as baterias' e fornecer àqueles que se dirigem à sala de aula, na entrada da terceira década do novo milênio, uma nova ferramenta para discutir nossa história e nossa atualidade? Terá isso algum impacto? *** Ao adentrar a leitura, de fato, voltei a me animar. Connell se mostra, mais uma vez, à altura do desafio proposto: revela-se leitora de um mundo em mudança, dos seus paradoxos e das formas curiosas ou trágicas como permanecemos, entre evolução, revolução, trabalhando "sobre o passado à medida que avançamos para o futuro" [we work on the past as we move into the future] (p.28).Mesmo na condição de quem não dá mais aula na graduação, comecei a imaginar alunas e alunos que durante anos ajudei a formar e que hoje, por sua vez, estão lutando para semear nas jovens