Nas últimas décadas do século XVIII, o americano Thomas Jefferson tornou-se uma personagem da moda em Paris, 1 o renomado naturalista francês Georges-Louis Leclerc, conde de Buffon, e o polêmico pensador holandês Corneille de Pauw sentiam-se suficientemente informados acerca do Novo Mundo para, sem nunca terem estado lá, defenderem a sua polêmica tese de que a América era um continente fraco e imaturo, 2 François-René de Chateaubriand, inspirado nas narrativas de viagem de James Cook e Bougainville, preparava o seu célebre Atala (1801) -narrando as peripécias amorosas vividas por um europeu americanizado (René) e uma índia americana cristianizada (Atala) 3 -e os membros da Academia de Ciências, Belas-letras e Artes de Lion avaliaram que a América era um tema suficientemente conhecido dos seus sócios e colaboradores e não hesitaram em lançar, no ano de 1782, um concurso de monografias que tinha como tema, proposto por ninguém menos do que o abade Raynal, a seguinte questão: "A descoberta da América foi útil ou perniciosa para o gênero humano?". Tema, sem dúvida, bastante complexo, que pressupunha um razoável conhecimento sobre a América e sobre a sua histó-ria por parte daqueles que desejassem conquistar os 1.200 francos oferecidos como prêmio ao primeiro colocado.4 Tamanha "familiaridade" provinha de três séculos de constante tematização do Novo Mundo, de constante, ainda que com intensidade variável ao longo do tempo, 5 empenho dos povos europeus em construir um vocabulário sobre a América, um vocabulário capaz de dar a conhecer -e conhecer significa, naturalmente, dispor de meios para agir sobre -os aspectos físicos, naturais e humanos do continente que se interpunha entre o Oriente e o Ocidente. Os escritos que alimentaram essa vontade de conhecer, nomear e intervir dos europeus são muitos e de natureza variada: vão da Utopia (1506), de Thomas More, ao Discours sur la question proposée par M. l'abbé Raynal (1790), de um tal senhor Carle, um dos participantes do citado concurso promovido na cidade de Lion em 1782.Malgrado, no entanto, a sua variedade, essa longa série de escritos sobre a América apresenta, pelo menos, uma constante. Romancistas, poetas e pintores, filósofos e polemistas, cartógrafos, geógrafos, naturalistas e historiadores do Novo Mundo, em suma, senão todos, a esmagadora maioria daqueles que, em verso, prosa ou imagens, propagaram pela Europa notícias sobre o Novo Mundo lançaram mão, com mais ou menos intensidade, de um mesmo conjunto documental: as narrativas de viagens. A bem da verdade, boa parte do que os europeus escreveram sobre o mundo de além-mar -sobre a América, mas também sobre a África, a Índia, a China, o Japão, as terras do Pacífico Sul, a Austrália etc. -, durante pelo menos os três séculos que se seguiram à viagem de Colombo, baseou-se em relatos de viagem, em relatos de aventureiros e exploradores que, muitas vezes à custa da própria vida, viram com os próprios olhosou disseram que viram -aquelas terras que tanto atiçavam a imaginação dos seus contemporâneos.O Brasil, ainda...