Considerações iniciaisEste texto possui um duplo objetivo que, de todo modo, é bastante interligado. Primeiramente, pretendemos argumentar, a partir da análise da obra A queda do céu: palavras de um xamã yanomami, elaborada em parceria entre Davi Kopenawa e Bruce Albert, que a literatura indígena apresenta importante e distintiva especificidade no âmbito dos estudos literários exatamente por correlacionar de maneira imbricada e mutuamente dependente história pessoal e destino coletivo, rompendo com a noção de subjetividade absoluta que geralmente vemos no romance e na autobiografia modernos, como em Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, em Minha vida: poesia e verdade, de Johann Wolfgang Goethe, ou, mais contemporaneamente, nas obras filosófico-literárias de Jean-Paul Sartre. Segundo, a partir do argumento de que a literatura indígena apresenta, como seu aspecto epistemológico, estético, político, antropológico e ontológico distintivo, essa correlação entre história pessoal e destino coletivo, teceremos um diálogo entre literatura e filosofia-sociologia por meio do confronto da posição de Davi Kopenawa com uma tese central das teorias da modernidade europeia canônicas na contemporaneidademormente em Jürgen Habermas (mas também em Max Weber, por exemplo) -, a saber, de que a modernidade europeia é marcada pela imbricação entre racionalização, individuação, crítica, emancipação e universalismo, por causa da separação entre natureza, sociedade ou cultura e individualidade. Isto é, a modernidade europeia é caracterizada e definida pela separação entre história pessoal e destino coletivo, algo que as sociedades tradicionais não possuiriam nem permitiriam por serem marcadas exatamente por essa correlação entre história pessoal e destino coletivo (em nível sociocultural e ecológico-espiritual).