Maquiavel e Harrington: medicina e história como métodos políticos Machiavelli and Harrington: medicine and history as political methodsOs principais comentadores de James Harrington costumam destacar, corretamente, a forte recepção de Maquiavel no que tange a seus temas centrais. Mesmo os que identificam sua obra como uma utopia (Hansot, 1974, p. 98-103; Manuel e Manuel, 1980, p. 361-362; Ruyer, 1950, p. 166-183), no mesmo sentido em que outros textos foram produzidos na Inglaterra de seu tempo, como a própria Utopia de Thomas More e a Nova Atlântida de Francis Bacon, reconhecem que a leitura do florentino foi decisiva em muitas questões para o pensador inglês. Ainda assim, o controverso entendimento de que The commonwealth of oceana seria uma utopia é sempre calibrado pelo realismo maquiaveliano quando, em correntes interpretações, afirmase que tal realismo, a verdade efetiva da coisa, foi aplicado a uma cidade imaginada (Fink, 1962, p. 61; Raab, 1965, p. 195; Rahe, 2008, p. 328-329). A peculiaridade de Harrington na história do pensamento político consiste, desse ponto de vista, em se localizar na interseção do realismo com a tradição utópica (Russell-Smith, 1914, p. 19; Scott, 2004, p. 32).Dos conceitos recepcionados do secretário florentino, emerge com mais frequência e clareza o republicanismo (Nadeau, 2003, p. 324; Scott, 2004, p. 11). Nesse caso, as categorias centrais da tradição republicana estão presentes em ambas as obras. A defesa do governo misto, o império da lei, a virtude, a Revista Brasileira de Ciência Política, nº12. Brasília, setembro -dezembro de 2013, pp. 181-218.
A analogia: medicina e políticaUm dos pontos mais controversos e de difícil solução na obra de Maquiavel, se é que existe alguma, é o problema do método (Chabod, 1958, 126-148; Mansfield, 1998, p. 225; Renaudet, 1965, p. 150-152; Strauss, 1978, p. 29-30). O fato de ele raramente fazer referências explícitas ao modo pelo qual o conhecimento político pode ser adquirido não é menos importante do que o fato de ele se utilizar livremente do que aprendeu com a história dos antigos e a constante observação dos modernos (Machiavelli, 1996, p. 2). A maioria das interpretações caminha para atribuir à historiografia maquiaveliana o fundamento explicativo de suas formulações (Renaudet, 1965, p. 82). A história, como um punhado de exemplos virtualmente infinitos, oferece a possibilidade para a compreensão da ação e de seus resultados (Chabod, 1958, p. 129), uma vez que a natureza humana é relativamente imutável no tempo (Skinner, 1996, p. 189).De modo mais comedido, alguns comentadores destacam uma vertente mais analítica das interpretações realizadas por Maquiavel dos fenômenos políticos e históricos. As eventuais comparações entre o corpo natural dos seres vivos e o corpo político das cidades (Skinner, 1999, p. 301) não necessitam, por seu lado, de comprovações históricas (Dotti, 1979, p. 96). Porém, a comparação, como muito precisamente destacou Inglese (1992b), está longe de ensejar determinismos. "Maquiavel aspira à regra geral, e de...