RESUMO: O artigo apresenta leitura de O Pensamento Selvagem, de C. Lévi-Strauss, buscando demonstrar sua importância para a antropologia atual. Salientamos sua apresentação do "pensamento em estado selvagem" como possibilidade ou mesmo necessidade formal de todo pensamento humano, sua manifestação como arte, mito, bricolagem e sua relação com a ciência. Como se sabe, entre outras contribuições, esse livro apresenta uma noção de transformação entre conjuntos analíticos sistemáticos. Ao mesmo tempo, demonstra ser a atividade classi catória inelutável, a rmando um homem condenado a classi car, seja de modo totêmico, seja sacri cial. Nesse quadro, procuramos reunir diferentes estilos de pensamento -inclusive os nossos próprios, eles também bricolagens e classi cações. Discutimos o contraste entre sistemas classi catórios totêmico e sacri cial, para depois confrontarmos antropologia e história e nalmente debatermos a questão do lugar da antropologia em um triângulo arte-ciência-mito. PALAVRAS-CHAVE: C. Lévi-Strauss, O Pensamento Selvagem, sacrifício, história, arte.Este artigo é fruto de discussões em torno de O Pensamento Selvagem, de Claude Lévi-Strauss, realizadas no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de São Carlos 1 . Ele apresenta alguns temas básicos desse clássico, que a nosso ver merecem explicitação,--já aponta para algo além das moralidades -do "ser bom", do "proceder honesto", da di culdade -, a saber: o "rabo da palavra". Exemplo do que poderia ser considerada uma metáfora totêmica, esta expressão apresenta descontinuidades entre as séries da Natureza e da Cultura. Está implícita a diferença, dada num eixo paradigmático, entre "rabo" e, por exemplo, "cabeça"; assim como implícito está ser a "palavra" um termo de uma série social. Aprofundar este tipo de homologia e diferença seria tarefa para um estudo ao modo estruturalista da obra de Guimarães Rosa, que, passível de ser feito, não cabe aqui. Mas a expressão "o rabo da palavra" já contém um sistema diferencial, cujos termos -os signos -transitam em permutações, oposições e inversões metaforicamente transformadas no plano do signi cado. A Natureza -no caso, o rabo -é gurada por uma destotalização da noção de espécie. Essa, por sua vez, como mostra Lévi-Strauss, é operadora de variados sistemas em processos lógicos de totalizações e destotalizações: "a noção de espécie possui assim uma dinâmica interna: coleção suspensa entre dois sistemas, a espécie é o operador que permite passar (e mesmo, obriga) da unidade de uma multiplicidade à diversidade de uma unidade" (Lévi-Strauss, 1962: 180) 2 . O rabo é o fundo, o "por detrás", e esboça a dimensão ou série "Natureza". Já a "palavra", que tem o rabo, está, por sua vez, na série da "Cultura" e, nesses termos, pode signi car toda a cultura. Ir até o fundo (da cultura), mas sem se desprender da série natural com a qual está relacionada: aquilo que sintetiza o perigo e a di culdade do viver, para Guimarães Rosa, já exprime um sistema e, mais que isso, a signi cação, na perspecti...