O Paquistão e as estratégias ocidentais para a Ásia MeridionalABELARDO ARANTES JÚNIOR* Ao longo de 2002, a situação na Ásia Meridional mostrou-se tensa o bastante para justificar a preocupação das potências ocidentais. Paquistão e Índia, em uma de suas crises periódicas, concentraram cerca de um milhão de soldados em ambos os lados da Linha de Controle (LoC, na usual sigla inglesa) que divide a Cachemira e da fronteira comum. Embora as tensões diminuíssem, com a retirada das tropas indianas e paquistanesas para suas posições normais, permaneceu a animosidade entre os dois países. O governo dos Estados Unidos, potência externa mais atuante no quadro da Ásia Meridional, continua a manifestar sua preocupação com o estado político da região. Conforme declarado por Christina Rocca, Assistant Secretary of State para Assuntos do Sul da Ásia ao Comitê de Relações Exteriores do Senado norte-americano, "We helped to successfully walk India and Pakistan back from the brink of war last year". 1 Mesmo que se julgue essa afirmação excessiva, é fato sabido que altos dirigentes dos Estados Unidos e de outras potências procuraram sucessivas vezes os governantes do Paquistão e da Índia, sugerindo moderação. Também é conhecida a séria preocupação revelada pelas autoridades paquistanesas, e por muitos observadores em Islamabade, a respeito dos riscos de degeneração das tensões com a Índia, a ponto de acabar em mais um conflito.
Dados gerais da situaçãoAs tensões indo-paquistanesas têm raízes profundas e antigas. Em primeiro lugar, avulta a questão da Cachemira, vista em Islamabade como o core issue das relações bilaterais. O Paquistão acusa a Índia de se recusar a tratar, no âmbito bilateral, da questão que domina as demais, desde a independência de ambos, em 1947. Islamabade também acusa Nova Délhi de desrespeitar as resoluções da ONU sobre a matéria. A Índia, por sua vez, acusa o Paquistão de promover atentados na Cachemira indiana, por agente interposto, a saber, as organizações da jihad que a seu ver se baseiam em território paquistanês; para a Índia, as Rev. Bras. Polít. Int. 46 (1): 182-207 [2003] * Embaixador do Brasil no Paquistão. As opiniões constantes do presente artigo refletem apenas seus pontos de vista pessoais ou os das fontes que cita; não exprimem políticas oficiais do Brasil.