RESUMOO presente artigo busca apreender a importância da justificação freudiana do inconsciente para a definição do estatuto da Psicanálise. Um exame do objeto, da motivação e dos momentos argumentativos dessa justificação evidencia que a prova da existência do inconsciente intentada nela não se conforma ao modelo de demonstração empírica perseguido por Freud. Trata-se, antes, de uma demonstração pragmática, procedimento semelhante ao utilizado por Pascal na sua aposta em favor da existência de Deus. Contudo, essa similaridade não implica que a Psicanálise seja um saber especulativo: a admissão do inconsciente, embora não inteiramente justificável empiricamente, mostra-se como a condição da experiência analítica. Palavras-chave: inconsciente; psicanálise; aposta de Pascal; metapsicologia.
ABSTRACT The justification of the unconscious and Pascal's wagerThe present article seeks to apprehend the importance of Freud's justification of the unconscious for defining the status of psychoanalysis. Examining subject, motivation and argumentative steps of this justification, reveals that the intended proof of the existence of the unconscious doesn't conform itself to the model of empirical demonstration pursued by Freud. His proceeding is rather a pragmatic demonstration, similar to the one used by Pascal in his wager in favour of God's existence. However, this similarity doesn't mean that psychoanalysis is equal to speculative knowledge: the admission of the unconscious, although empirically not entirely justifiable, reveals itself as the condition of analytical experience. Keywords: unconscious, psychoanalysis, Pascal's wager, metapsychology.* Endereço para correspondência: Eduardo Ramalho Rotstein -eduardorotstein@gmail.com Passados mais de cem anos desde seu surgimento, a Psicanálise permanece um assunto de intensa discussão não apenas entre os seus adeptos como também entre psicólogos em geral e pesquisadores atuantes em outras áreas. Não surpreende que a pergunta, constantemente recolocada, acerca de seus fundamentos e relações com outros saberes leve, não raro, ao tema do inconsciente. O conceito de inconsciente é fundamental para a Psicanálise. Ele tem papel decisivo em sua delimitação como "psicologia profunda" diante de outras investigações e práticas psicológicas, fornecendo-lhes ao mesmo tempo valorosas contribuições no estudo de fenômenos como o sonho e os sintomas psicopatológicos.Contudo, é justamente esse conceito que atrai grande parte dos questionamentos dirigidos à Psicaná-lise. Esta nunca se adequou inteiramente ao modelo de investigação empírica -hegemônico à época de sua formulação e ainda vigente na atualidade -pelo fato de seu objeto, uma atividade psíquica não percebida pelo indivíduo, furtar-se à observação e à experiência direta. Foi o próprio inventor da "psicologia que se estende para além da consciência", antes que seus críticos confessos, o primeiro a reconhecer a presença da especulação em seu interior, nomeando-a "Metapsicologia", neologismo declaradamente inspirado em "Metafísica" (Freud,...