Disfunção tiróidea e amiodarona

Abstract

SUMÁRIOApesar de a maioria dos doentes tratados com amiodarona permanecer em eutiroidia, alguns desenvolvem hipertiroidismo (HPEIA) ou hipotiroidismo (HPOIA) induzidos pela amiodarona. Os autores apresentam uma análise retrospectiva dos processos de dez doentes com disfunção tiróidea induzida pela amiodarona. Verificou-se que seis doentes eram mulheres e que o tempo médio de toma da amiodarona foi de 17,7 meses. O HPOIA foi o mais frequente (seis doentes). Dos doentes com HPEIA, dois tinham HPEIA tipo 2, um tipo 1 e um tipo 3. Sintomas sugestivos de disfunção tiróidea ocorreram em cinco doentes, a maioria com HPOIA. No HPEIA, a clínica mais comum foi exacerbação da arritmia de base (três doentes). A interrupção da amiodarona e administração de levotiroxina foi a terapêutica escolhida em 83,3% dos casos de HPOIA, enquanto a tionamida associada a corticoide com suspensão da amiodarona foi opção em 75% dos casos de HPEIA. Registraram-se três óbitos, todos com HPEIA. O HPEIA constituiu uma complicação potencialmente fatal. A clínica pode ser vaga, pelo que a monitorização da função tiróidea é obrigatória. Arq Bras Endocrinol Metab. 2013;57(1):71-8 SUMMARYAlthough most patients remain clinically euthyroid, some develop amiodarone-induced hyperthyroidism (HPEAI) or hypothyroidism (HPOAI). The authors present a retrospective analysis of ten patients with amiodarone-induced thyroid dysfunction. Six patients were female and mean amiodarone intake was 17.7 months. HPOIA was more common (six patients). From all the patients with HPEAI, two had type 2, one had type 1, and one had type 3 hyperthyroidism. Symptoms suggestive of thyroid dysfunction occurred in five patients, most of them with HPOAI. In HPEAI, the most frequent symptom was exacerbation of arrhythmia (three patients). Discontinuation of amiodarone and treatment with levothyroxine was chosen in 83.3% of the HPOAI cases, while thyonamide treatment with corticosteroids and without amiodarone was the option in 75% of the HPEAI cases. There were three deaths, all in patients with HPEAI. HPEAI is potentially fatal. The clinical picture may be vague, so the thyroid monitoring is mandatory. IntROdUçãO A disfunção tiróidea induzida pela amiodarona (DTIA) é uma complicação potencialmente grave, cuja incidência é estimada entre 2% e 24% (1,2).A amiodarona, um antiarrítmico da classe 3 da classificação de Vaughan Williams, introduzida em 1962 como antianginoso, foi aprovada pela Food and Drug Administration em 1985 para o tratamento de taquiarritmias supraventriculares (1,2). Constitui um dos fár-macos mais utilizados atualmente para manutenção do ritmo sinusal em doentes com fibrilhação auricular (1) e recentemente foi incluída nas diretivas da American Heart Association como um dos fármacos utilizados na paragem cardíaca (3). Contudo, está associada a vários efeitos secundários, que ocorrem em cerca de 80% dos doentes. Os efeitos mais frequentes são microdepósitos córneos (quase 100%), perturbações gastrointestinais benignas (80%), fotossensibilidade e hiperpigmentação cu...

Anti‐arrhythmic medications increase non‐cardiac mortality – A meta‐analysis of randomized control trials

“…Several mechanisms had been attributed to thyroid dysfunction after amiodarone use, leading to hypo and hyperthyroidism. However, fatal outcomes had been reported in the literature in few cases and meta-analysis [28] , [29] , [30] , [31] . Optic neuropathy and corneal deposits had been reported with prolonged use of amiodarone due to its effect on endothelial and vascular smooth muscles [32] ; few cases of leucocytoclastic vasculitis following treatment with amiodarone had also been reported explaining its cutaneous side effects [33] .…”

Interferência da Amiodarona no metabolismo dos hormônios tireoidianos

“…Esses eventos foram ligados principalmente ao uso de longo prazo da amiodarona (Bartalena L, et Diante do exposto, as disfunções tireoidianas induzidas pela amiodarona têm grande relevância, não só por sua incidência, mas também pela complexidade dos mecanismos envolvidos no seu desenvolvimento, o que requer atenção especial para se estabelecer o diagnóstico e tratamento adequados. 9,13,19 A AIT apresenta maior freqüência nos homens e em áreas com dieta deficiente em iodo, acomete pacientes eutieoidianos ou com disfunções prévias e por não apresentar relação com as doses (diária ou acumulada) pode ocorrer cerca de quatro meses a três anos após o inicio do uso da amiodarona ou vários meses após a suspensão do uso. Sua apresentação clinica na maioria das vezes é assintomática, em função de outros mecanismos de ação da amiodaronaantagonista adrenérgico e inibidor das deiodinases 1 e 2 (impedindo a conversão periférica de T4 em T3) -que camuflam os sintomas clássicos de hipertireoidismo, dificultando, assim, seu diagnóstico precoce.…”

“…Desse modo, deve-se suspeitar de AIT em pacientes que apresentarem piora na doença cardíaca de base ou recorrência de taquicardia ou fibrilação atrial durante o tratamento com amiodarona. 1,9,14 Nesse contexto, seu diagnóstico é dado laboratorialmente pela diminuição ou supressão do TSH, T3 livre normal ou diminuído e T4 elevado. Entretanto, para que seja feita a melhor abordagem terapêutica é necessário que se conheça a etiologia de base e, assim, classifique a AIT (tipo 1 e 2).…”

“…Nos casos de AIT mista (tipo 3) a combinação de tionamida, perclorato de potássio e cortidóides é o esquema terapêutico mais eficaz. 9,14,19 Em vista disso, evidencia-se o aumento da mortalidade em pacientes com AIT, visto que pode promover a perda da função cardíaca, bem como a intensificação dos problemas cardíacos subjacentes. Assim, por vezes a AIT pode desencadear uma situação de emergência que requer a suspensão do uso da amiodarona e a tomada de uma terapêutica com resolução imediata, por meio de uma tireodectomia.…”

“…9,14,18,19 Nessa senda, o diagnóstico da HAI é dado pela elevação sérica de TSH (exceto nos primeiros três meses do tratamento -efeito Wolff-Chaikoff) e diminuição do T4 livre e seu tratamento é feito com o uso de levotiroxina, com aumento gradual da dosagem, de acordo com os níveis de TSH, sendo aconselhável mantê-la no limite superior da normalidade, em especial em pacientes cardiopatas graves. 1,9,14,19 Diante da literatura, nota-se um questionamento acerca da manutenção ou não do uso da amiodarona nos pacientes que desenvolveram algum tipo de disfunção tireoidiana, porém é unânime a decisão por uma conduta individualizada e acompanhada em conjunto por um cardiologista e endocrinologista, a fim de analisar os riscos e benefícios do uso da amiodarona para cada paciente, considerando os efeitos adversos dos mesmos nas doenças cardíacas subjacentes. 1,2,8,9 Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, v. 6, n. 2, p.5354-5362, mar./apr., 2023…”