Política editorial e controvérsia científica em Estudos Agrários*

Abstract

RESUMO Interesses e relações de poder ocorrem na avaliação de trabalhos, em processo editorial realizado em periódicos científicos. Tais processos tornam-se mais evidentes em meio a controvérsias científicas. Argumentamos que a atuação de editoras e editores de periódicos é fundamental para compreender como interesses e relações de poder interferem na política editorial, em disputas por estabelecimento ou encerramento de controvérsias. O artigo analisa como políticas editoriais influenciam controvérsias científicas. A controvérsia proposta é o debate sobre o papel do campesinato na questão agrária, disputa orientada por diferentes pressupostos, e localizada principalmente no programa de pesquisa marxista. O corpus de pesquisa é formado por artigos, editoriais, livros e resenhas publicados em três periódicos internacionais de Estudos Agrários: The Journal of Peasant Studies, Journal of Agrarian Change e Agrarian South: Journal of Political Economy, além de entrevistas semiestruturadas com editores. Analisaram-se os conteúdos, a recorrência de temas e a atuação de editoras e editores no fluxo editorial. Diferentes modos de atuação de editoras e editores operam para omitir ou evidenciar posições na controvérsia, direcionando-a para o encerramento ou a continuidade do debate.

Discriminação editorial em periódicos científicos internacionais

“…Tais dimensões são difíceis de identificar, a despeito de suspeitas cada vez maiores sobre o sistema de revisão por pares. No entanto, a filiação institucional pode ser considerada um marcador equivalente a país e é bastante Medina, 2013a), resolução de controvérsias (Collins & Pinch, 1998;Pinheiro & Neves, 2022) e revisão por pares (Matías-Guiu & García-Ramos, 2011;Nieminen & Isohanni, 1999).…”

“…Com isso queremos dizer que a desigualdade na ciência é também elemento estruturador da própria dinâmica de circulação do conhecimento, já que incide em processos essenciais da dinâmica editorial. Queremos dizer também que tal processo desigual faz parte da experiência de grande parte dos cientistas do "sul" que circulam pelos supostos "centros" da ciência (Pinheiro & Neves, 2022) sua carreira e de seus próximos como se fossem inferiores por razões bibliográficas, não científicas, e no geral, em função do baixo impacto e aceitação de seus manuscritos.…”

“…Tudo conflui para uma valorização da publicação internacional, incluindo a atitude de incentivo para que os futuros pesquisadores façam o mesmo. Essa tendência envolve pressupostos e valores que não poderiam ser discutidos aqui pelo reduzido espaço 3 , como a universalidade da ciência (Livingstone, 2010) e, portanto, de uma língua franca (Tardy, 2004) e neutra; também a simetria das relações, como se fôssemos capazes de "concorrer" com o "centro" da produção científica (Pinheiro & Neves, 2022;Rodriguez Medina, 2013b). Para nossos propósitos, ficou claro que a valorização das publicações internacionais se deve principalmente a incentivos institucionais, no sentido de acessar mais recursos de pesquisa.…”

“…A questão é como ele se manifestaria na dinâmica editorial. Muitos estudos foram feitos atribuindo o papel central desempenhado pela trajetória dos editores e editoras (Pinheiro & Neves, 2022), a instituição de origem dos autores e autoras (Collins & Pinch, 1998), e a revisão por pares (Matías-Guiu & García-Ramos, 2011) na dinâmica editorial 4 . Todos eles apareceram na pesquisa, e muitas vezes se traduzem em preconceito linguístico, institucional e regional.…”

“…Esses elementos discriminantes apontados pela autora interferiram no processo editorial de um manuscrito em avaliação e foram pesquisados desde então pela sociologia da ciência como responsável por determinar os maiores ou menores chances de sucesso de uma submissão. Ocorreria assim um tipo de discriminação, a editorial, relativa a expectativas prévias consolidadas no sistema de avaliação com respeito à má ciência e boa ciência, ciência de centro e ciência de periferia (Neves, 2020;Pinheiro & Neves, 2022).…”