A genealogia do Estado Moderno

Abstract

Analisar o processo que modificou as estruturas políticas surgidas na Antiguidade e que atravessaram a Idade Média, aí também sofrendo mudanças, para conduzir, nos alvores da época moderna, à configuração de uma estrutura política como a do Estado -sob a qual, até hoje, estão estruturadas as sociedades contemporâneas, em sua maior parte -foi e ainda é uma questão de pauta para os pesquisadores de todos os ramos das chamadas ciências do homem. O enorme interesse gerado pelo tema explica-se por uma razão bem aparente: é a partir da compreensão de como os homens se organizam politicamente que podemos perceber e circunscrever, de forma mais abrangente, os acontecimentos sociais, hoje e ao longo dos tempos. Não se trata, entretanto, de propor aqui certo tipo de primazia da esfera política. Muito pelo contrário, trata-se da tentativa de apreender os fenô-menos sociais em sua complexidade, sublinhando a necessidade de não seccionar as realidades humanas em disciplinas acadêmicas; em outras palavras, perceber as sociedades alinhavando suas características culturais, econômicas e políticas. E foi baseando-se em premissas similares, e talvez, mais importante do que isso, nas possibilidades interpretativas descortinadas por elas, que Michel Senellart elaborou As artes de governar.A obra em questão desenvolve um tipo de estudo distinto entre os inúmeros trabalhos que analisam a emergência do Estado Moderno. Senellart -partindo da senda aberta por Michel Foucault, do qual foi discípulo, em seus estudos sobre governabilidade -caminha na tradição dos estudos que pretendem interpretar os fenômenos históricos a partir de sua inscrição em um campo discursivo, optando, portanto, pela análise semântica e pelo exame dos conceitos que compõem os escritos sobre as artes de governar. O autor sublinha que, para compreender como o Estado surgiu paulatinamente da atividade governamental, não é suficiente narrar um processo de institucionalização crescente associado à aparelhagem militar e jurídica, opção mais comumente aceita entre os pesquisadores do Estado; mas, que é preciso esclarecer como um conceito a priori não político como o de regimen, porque ele se inscreve em múltiplos planos discursivos, se separou do governo político. Será a partir da análise do vocabulário político que Senellart irá examinar as artes de governar. O pensamento polí-tico clássico, representado por Maquiavel, Hobbes e Montesquieu, é contemplado; mas o autor não se restringiu a eles (fato louvável, pois, grande parte dos pesquisadores da esfera política tende a acreditar que um entendimento completo da gênese e do percurso da teoria política pode ser feito apenas através do estudo dos textos considerados canôni-cos), lançando mão de uma ampla gama de autores como: João de Viterbo, Giovanni Botero, Ludovico Zuccolo, Justo Lipsio, Gil de Roma, Torquato Acceto, São Tomás de Aquino, Scipione Ammirato, João de Salisburg, Vicente de Beauvais. Jean Bodin, Gabriel Naudé, entre outros. O livro encontra-se dividido em três partes principais, subdivididas em outras seções...