O Compromisso Social da Psicologia e a Possibilidade de uma Profissão Abrangente

Abstract

Resumo As origens da Psicologia brasileira se relacionam ao projeto de modernização do país, com que ela contribuiu por meio de uma concepção universal de sujeito e de processos de classificação e categorização, pouco atentos às necessidades da realidade social. No processo de redemocratização do país, condições históricas possibilitaram uma ruptura com essa perspectiva, operada pelo Projeto do Compromisso Social. Este texto apresenta uma reflexão sobre o caminho de construção dessa ruptura e de um projeto ético-político comprometido com a realidade brasileira. Analisa o percurso impulsionado na virada do século XX para o século XXI por meio da atuação de entidades da profissão, notadamente os Conselhos de Psicologia, em articulação com importantes mudanças na atuação das psicólogas. Tal percurso permitiu uma revisão crítica da Psicologia, sendo apresentado em cinco eixos: produção de sujeitos democráticos e defesa da democracia; construção de resistência à alienação e combate ao pensamento colonizado; perspectiva de serviços profissionais comprometidos com a garantia de direitos; aprimoramento da qualidade da prática profissional das psicólogas; e expansão das fronteiras da psicologia. Em cada um, são apresentadas ações, estratégias e projetos que levaram à ampliação e ao reconhecimento social da Psicologia, organizada, democrática, ousada e acessivelmente à maioria da população. Ao mesmo tempo, apresenta desafios para a continuidade desse projeto na realidade atual, apostando que, com 60 anos de regulamentação, a Psicologia é capaz de enfrentar novas questões que se colocam no país por meio da atuação das profissionais que levam adiante o projeto de compromisso social.

Psicologia e Políticas Públicas no Brasil: Convergências nas Práxis do Campo Profi ssional

“…Após a regulamentação da profi ssão e da formação em 1962, novos ajustes no processo formativo e na transversalização das práticas profi ssionais nas relações com a sociedade foram retomados a partir da Carta de Serra Negra, em 1992, e do Congresso Nacional da Psicologia de 1994, que trataram da redefi nição de atribuições profi ssionais, da vinculação com a realidade de cada localidade e do surgimento do conceito de compromisso social (Bock et al, 2022;L. N. Santos, 2017).…”

“…Estabelece-se, assim, uma Psicologia aplicada aos mais diversos setores da sociedade, que tem avançado também em termos de reconhecimento de sua contribuição ao desenvolvimento da pesquisa científi ca, da formação de recursos humanos qualifi cados em pesquisa e do estabelecimento de novas tecnologias e inovação para a sociedade brasileira (Bock et al, 2022;Cunha & Dimenstein, 2022).…”

“…Dessa forma, ao se observar os temas transversais às práticas profi ssionais em Políticas Públicas (Avaliação Psicológica, Trabalho em Equipe, Tratamento, Acolhimento, & Prevenção e Promoção), reconhece-se que os mesmos estão permeados por questões sociais pertencentes ao/s campo/s, que apontam a responsabilidade da Psicologia frente a tais demandas e que urgem como a expansão da abrangência das práticas e da compreensão do que é tal práxis atual, de modo a se demarcar a perspectiva de pensar a profi ssão a partir da própria profi ssão e de suas relações com a sociedade, estruturando os fazeres psi, por meio dos processos de trabalho em que estão inseridas (Bock et al, 2022;Castelar & Daltro, 2016;L. N. Santos, 2017).…”

Indicadores do atendimento psicológico no ambulatório do Sistema Único de Saúde: Um estudo de caso

“…Dos conflitos entre expectativas de pacientes e expectativas de psicólogos emergem problemas como: elevado índice de ausências, consultas subutilizadas, abandono, dificuldades na comunicação, esgotamento dos agendamentos por faltas e resultados aquém dos pretendidos (Medeiros, 2020;Pessota et al, 2020). Esses comportamentos muitas das vezes são atribuídos à falta de implicação, de interesse ou de compreensão dos objetivos da psicoterapia, resultando em ociosidade dos profissionais, em razão das lacunas nas agendas, além de expressiva demanda de pacientes que permanecem desassistidos (Bock, 2002;Cerioni & Herzberg, 2016;Costa, 1989;Dimenstein, 2000;).…”

Quantas infâncias? um estudo exploratório sobre discursos institucionais em defesa da primeira infância

“…Ou seja, muitas teorias usadas na perpetuação desse recorte da infância e juventude eram advindas da Psicologia ou por ela sustentadas. Ana Mercês Bahia Bock (2009) destaca que a Psicologia brasileira foi forjada sobre concepções de que o fenômeno psicológico se define e/ou se determina por processos naturais, de forma que a profissão se desenvolve teórica e tecnicamente desconectada e desinteressada de processos sociais, econômicos e culturais. Em suas palavras, "a Psicologia se instituiu assim em nossa sociedade moderna como uma ciência e uma profissão conservadoras que não constroem nem debatem um projeto de transformação social" (Bock, 2009, p. 20).…”