“…Ao contrário de serem compreendidas como prisioneiras ou coisas dos homens (como se lê tanto na historiografia centrada nos jesuítas quanto na focada no conceito de resistência), as mulheres nesta perspectiva podem ser entendidas enquanto sujeitos a se empenhar em sua inserção no mundo colonial por meio da filiação e proteção junto aos padres -outras noções de gênero, sexualidade e violência que não as ocidentais certamente perpassam às indígenas missionais. Muitas, aliás, oferecem em troca de proteção sua fidelidade e mão-de-obra, produzindo tecidos, vestimentas e bens agrícolas, além da defesa da moral missional, como se vê naquele e em outros contextos coloniais (Beatriz VITAR 1999Eliane FLECK, 2006;Antonio RAMOS 2016;BAPTISTA, WICHERS, BOITA, 2019). Ao menos dois resultados materiais dessa relação podem ser encontrados nos documentos e nos remanescentes arquitetônicos das missões em questão: o primeiro, a construção do Cotiguaçu, ou Casa das Recolhidas, enorme instituição nascida em fins do século XVII onde se pode perceber a transformação do conteúdo da poligamia ao se inserir na área central dos povoados (BAPTISTA, 2015a, p. 77-87;WICHERS;BOITA, 2019); a segunda, as novas performances assumidas pelas mulheres deste mesmo Cotiguaçu, então a vestirem-se com um "saco oblongo" de algodão bruto pelo qual "enfiam a cabeça e estendem os braços por buracos abertos para este fim" (SEPP, 1980, p. 235), indumentária séculos depois tomada por tradicional dos Guarani por Egon SCHADEN (1974, p. 35).…”