Posseiros e invasores: propriedade e luta pela terra em Goiás durante o governo Mauro Borges Teixeira (1961-1964)

Abstract

RESUMO No início da década de 1960, em Goiás, ocorreu uma série de conflitos em todo o estado que revelava um acirramento nas disputas pelo direito ao uso efetivo da terra. Protagonizadas por pequenos posseiros, tais lutas foram marcadas pela obstinação com que os pobres do campo defendiam seu direito à terra com base em uma noção de justiça que legitimava as ações de apossamento conquanto estivessem assentadas em práticas que vinculavam o direito à terra ao cultivo efetivo. Um olhar atento sobre esses conflitos ajuda-nos a desnudar a ideia consagrada da existência da propriedade privada absoluta, na medida em que a luta dos posseiros goianos, para além de uma luta pelo domínio da terra, caracteriza-se por uma disputa por novos entendimentos acerca do direito à propriedade e dos usos da terra.

Misturados na terra

“…Leandro da Silva Esteves (2007), Cláudio Lopes Maia (2008) e Renato Dias de Souza (2010), por exemplo, têm enorme importância no registro da memória e na elaboração de uma reflexão sobre aspectos históricos e sociais da luta.…”

“…Menciono, assim, apenas parte dessa historiografia a fim de destacar a forma como a história da luta de Trombas e Formoso foi sendo inscrita e institucionalizada pelos setores dominantes da política local da época, a despeito das razões e concepções próprias dos posseiros e posseiras. Ora como um movimento "pacífico, de trabalhadores rurais inocentes", a qual Esteves (2007) atribuía à tentativa de representar socialmente essas pessoas como vítimas e sujeitá-las a um lugar de passivo sofrimento 15 , ora, como um "movimento subversivo" de "agitadores comunistas" ou de "bandoleiros" municiados de "armas de guerra" (ESTEVES, 2007). Essas imagens demonstravam o esforço desses grupos de criminalizar as ações dos posseiros e posseiras e de desqualificar suas demandas por direitos (ESTEVES, 2007).…”

“…Ora como um movimento "pacífico, de trabalhadores rurais inocentes", a qual Esteves (2007) atribuía à tentativa de representar socialmente essas pessoas como vítimas e sujeitá-las a um lugar de passivo sofrimento 15 , ora, como um "movimento subversivo" de "agitadores comunistas" ou de "bandoleiros" municiados de "armas de guerra" (ESTEVES, 2007). Essas imagens demonstravam o esforço desses grupos de criminalizar as ações dos posseiros e posseiras e de desqualificar suas demandas por direitos (ESTEVES, 2007).…”

“…Mas há também quem represente a luta como esse grande "feito revolucionário" do "movimento camponês", designação própria do PCB, que buscava, na época, unificar as diferentes categorias e pautas dos trabalhadores rurais do país em uma só luta e identificação (ESTEVES, 2007). Fomentando, assim, a identidade camponesa como uma representação única, que embora fosse importante politicamente, não alcançava a diversidade de expressões, formas de atuação e luta desses vários homens e mulheres trabalhadoras do campo.…”

“…Exigia-se, nesse sentido, o envolvimento de outras perspectivas teóricas sobre a luta, abstraída de categorias universalizantes e pensadas em sua própria razão prática. Não à toa historiadores como Janaína Amado (s/d;, Carlos Esteves (2007) e Cláudio Maia (2008) realizaram trabalhos a fim de reorientar a perspectiva dessa historiografia desde o protagonismo assumido pelos posseiros de Trombas e Formoso nas lutas em Goiás. Meu trabalho se soma ao desses autores, buscando, desde uma perspectiva etnográfica, tratar dessa história por seus interstícios, isto é, pelos vãos ainda não analisados na bibliografia e que foram, efetivamente, criados por meus conhecidos e conhecidas por entre essas "grandes narrativas".…”