A capital brasileira, com sua peculiar arquitetura, talvez seja o símbolo mais hiperbólico de uma crença ainda vigente no modernismo. Segundo a proposta de Scott (1998), dentre outros, o olhar centrado no Estado e nas classes dominantes não raras vezes corrobora o senso comum a respeito da apatia popular. Obviamente tal juí-zo se torna convencional quando as lutas políticas dos governados não representam ameaça ao status dominante, ou seja, não constituem rebeliões -grandes ou pequenas. Nesses casos, tende-se a depreciar quaisquer resistências cotidianas, a não lhes dar muita atenção. Em um de seus livros -Seeing like a State: how certain schemes to improve the human condition have failed -, Scott toma o caso de Brasília, a capital do Brasil construída nos anos 1960 sob a ideologia modernista, cujo projeto tinha, entre outros, dois propósitos específi-cos: (i) deslocar a administração do país do Rio de Janeiro para o interior do território, de maneira planejada, sem os vícios culturais herdados do período colonial; e (ii) conter as ondas migratórias que chegavam *Doutora em Antropologia pela Universidade de Brasília (2003). Atualmente é Professora no Departamento de Antropologia (Brasília/DF/Brasil). Dedica-se à pesquisa em teoria antropológica, com trabalho de campo no Brasil e África do Sul. Coordena o GESTA (Grupo de Estudos em Teoria Antropológica) e, em conjunto com outras colegas da UnB, o LAVIVER. antonadia@gmail.com. 1. Artigo para o dossiê Experiências socioantropológicas através da educação. Agradeço aos organizadores, a todas as pessoas com quem trabalhei no projeto Um toque de mídias, e muito especialmente às minhas amigas e colegas Diana Milstein e Regina Coeli Machado, com quem venho nutrindo ricos debates sobre etnografia em contextos escolares. Dedico este ensaio à memória do saudoso fotógrafo José Rosa.