primeira impressão que se tem ao percorrer o itinerário poético de Jorge de Lima é de uma extraordinária multiplicidade de temas e formas literárias. Poeta parnasiano na primeira juventude; modernista de cadências regionalistas nordestinas entre o final dos anos 1920 e início dos 1930; programadamente poeta religioso, cristão e bíblico, nos anos 1930 e 1940, com originais passagens pela poesia do negro; surrealista sui generis, entre barroco e simbolista, nos anos 1950... O intérprete que desejar compreender esses diversos campos existenciais e formais deverá perguntar-se: qual a gênese existencial de cada um deles? E, em seguida: haveria uma possível unidade de sentido subjacente a esse imenso conjunto de expressões poéticas?Aqui entramos na esfera das hipóteses hermenêuticas. Mas é preciso arriscar e talvez nos ajude uma aproximação inicial com a história da literatura brasileira anterior e posterior à difusão do modernismo no Nordeste. O jovem poeta parnasiano dos XIV Alexandrinos, eleito príncipe dos poetas alagoanos, vive uma atmosfera literária provinciana, epigônica. A linguagem é convencional, toda emprestada dos assuntos e fraseios de uma escrita que se repete entre escolar e sentenciosa, sem um sopro de experiência pessoal. Daí o significado forte de salto qualitativo que foi a composição de "O mundo do menino impossível", publicado em 1927. A rigor, parecia impossível ao autor, já homem feito, que um menino bem nascido pudesse ter saído do mundo dos brinquedos caros, artificiais, de marca estrangeira, e ter imerso a memória nas coisas simples do cotidiano da sua infância. No caso, a conversão cultural e a conversão existencial coincidiram, o que tornou efetiva a primeira mutação poética.Mas o que aconteceu, de fato, foi a drástica substituição dos chavões literá-rios por uma entrega do adulto a lembranças infantis. É preciso ler as Minhas memórias e as entrevistas de Jorge de Lima para entender a sede de renovação que se fez sentir também no Nordeste ao longo dos anos 1920 (Lima, 1958a, p.98-157