Pesquisas arqueológicas e etnoarqueológicas conduzidas respectivamente na zona portuária do Rio de Janeiro e na Grande Salvador vêm encontrando, em sítios associados a africanos escravizados e seus descendentes, evidências de práticas espirituais nas quais algumas rochas tiveram e continuam tendo um grande protagonismo. Este artigo apresenta achados de seixos e blocos na chamada Pequena África, um reduto da população negra urbana próximo ao Cais do Valongo, em contextos que sugerem devoção a forças da sobrenatureza. E, da mesma forma em Salvador, seixos e matacões que, uma vez consagrados, são entendidos atualmente pelos terreiros de candomblé como materializações dessas forças. Consideradas vivas, elas são divinizadas e cultuadas isolada ou coletivamente até o fim do seu ciclo de vida, quando são descartadas ritualmente. Embora distantes no espaço e no tempo, os dois casos são discutidos aqui juntos tendo em vista que passado e presente se alimentam mutuamente. Não apenas os vestígios encontrados pela arqueologia atestam a profundidade temporal de algumas práticas atuais, como através delas é possível constatar que, não obstante o acentuado dinamismo das religiões afro-brasileiras, um núcleo fortemente conservador se manteve, perceptível na materialidade dessas práticas. Em especial nos líticos, repositórios de devoção, empoderados pela fé.