Quando os cantores são assassinados e as canções arrastadas aos museus e presas ao passado, a geração atual torna-se ainda mais desolada, mais abandonada e mais perdida, mais deserdada, no sentido verdadeiro da palavra.
Roman JakobsonNo romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, publicado em 1956, Riobaldo, narrador e personagem central da obra, logo no início de sua fala, esclarece a seu interlocutor, um sujeito letrado da cidade, que os tiros ouvidos não se deviam à briga de homem, mas à execução de um animal nascido com uma malformação: "um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser -se viu -, e com máscara de cachorro". O ser abjeto, visto pela população local como um híbrido monstruoso, fora eliminado com as armas emprestadas por Riobaldo, que, entretanto, autoproclamase livre de superstições e, por isso, acima das crendices do povo: "Mesmo que, por defeito como nasceu, arrebitado de beiços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão: determinaram -era o demo. Povo prascóvio. Mataram" (Rosa, 2006, p. 7).A morte do híbrido monstruoso, do indesejado das gentes cuja anomalia era prenúncio de mau agouro e por isso deveria ser eliminado, é a princípio tratada por Riobaldo como um mero caso de ignorância do povo "prascóvio" que, na falta de uma reflexão racional, credita o fenômeno na conta da manifestação demoníaca, representada pelo bezerro com cara de gente e de cão. No decorrer do relato do ex-jagunço, veremos que sua alegada racionalidade também é duvidosa, e mais, saberemos que a deformação do bezerro erroso é mais importante para Riobaldo do que ele quer fazer crer seu interlocutor, ao acusar a ignorância de seus vizinhos. O leitor atento perceberá que a trajetória de vida de Riobaldo foi toda ela pontuada por uma falha trágica, tangenciada na dupla articulação entre o sublime e o abjeto, ou ainda,