Em uma cultura marcada por dinâmicas narcísicas e atravessada pelo que Lacan chamou de discurso capitalista-que apresenta o consumo como alternativa na busca da completude-as tecnologias reprodutivas podem ser entendidas como produto, transformando os filhos em objetos de consumo. Estudos apontam para a emergência destes recursos como uma fuga narcísica diante do veto do corpo e um meio de reparação pelo sofrimento causado pela infertilidade, refletindo uma crença na existência de um Outro do Outro. É certo que esta configuração possui consequências na instituição familiar, que possui grande valor na civilização não só por transmitir a cultura, mas também por participar de forma crucial do processo de constituição psíquica do sujeito. Desse modo, estudos envolvendo a família, que está em constante transformação, possuem grande relevância social e clínica. As tecnologias reprodutivas têm ampliado a possibilidade de novas configurações familiares, bem como auxiliado pessoas com dificuldades de gerar filhos biológicos a concretizarem o seu ideal de família. Nesse sentido, observa-se uma invasão da ciência não só na normalização e normatização da família, mas em sua própria formação. Torna-se mister, diante da busca crescente por essas técnicas, a investigação das consequências dessa invasão do discurso médico na instituição. O presente estudo busca chamar a atenção para a complexidade do assunto, que envolve também aspectos éticos, culturais e questões de gênero. Conclui-se que as Novas Técnicas de Reprodução Humana podem vir a servir ao discurso capitalista e à cultura narcísica, mas abre espaço também para a possibilidade de um giro no sentido que se atribui culturalmente à infertilidade e à família. Nesse ponto, a ciência introduz, através de suas tecnologias, a fagulha de uma revolução no sentido que Lacan trata em seu seminário "Mais, Ainda".