A escritora Maria Graham (1785-1842), Dundas de nascimento, filha de um oficial naval escocês e de uma americana realista, foi à Índia aos 23 anos. Embarcou na fragata real Cornelia, em 30 de dezembro de 1808, na companhia do pai, George Dundas, designado comissionário da Marinha Real em Bombaim, de sua irmã Agnes e do irmão mais novo, Ralph.1 As linhas iniciais de Journal of a Residence in India, publicado em 1812, são pontuadas pelas primeiras impressões sobre a estada de dois anos na Índia britânica. Na chegada a Bombaim, em 26 de maio de 1809, após cinco meses a bordo, um denso nevoeiro anunciava a entrada da temporada de monções no subcontinente indiano.2 No cais, liteiras, palankeens, operavam o deslocamento para terra firme. A narrativa prossegue, descrevendo o hamul, termo utilizado para o condutor de palanquim, que possuía apenas de veste um turbante que cobria a cabeça, mas que a coloração escura da pele, para o olhar europeu, produzia o efeito de vestir o corpo nu. O ritmo frenético de pessoas e carruagens que se misturavam fornecia o cenário que um pintor estudaria ao detalhe na composição do quadro. A metáfora da pintura forma o leitmotif do livro que transfere para a escrita o entusiasmo do pintor romântico em realçar detalhes de hábitos, costumes, comportamentos e da paisagem indiana. O relato de Maria Graham apreende vestígios, sobras, que recordam um triunfo pretérito, como no exemplo das mulheres nativas na beira do gate de Bombaim que graciosamente guardam a leveza de antigas esculturas. O colecionador-escritor captura no presente as lembranças de um passado adormecido.Journal of a Residence in India é o primeiro de uma sucessão de livros de Graham em que os relatos de viagem formam um conjunto que, entre 1812 e 1825, acompanhou a sequência do itinerário de configuração do capitalismo britânico: hegemonia econômica britânica no Oriente da Índia e os novos países que emergiam das antigas Américas espanhola e portuguesa. De Journal of a Residence in India e Letters on India aos diários de viagem sobre Chile e Brasil, entre 1812 e 1824, período de edição das quatro obras, sucedia a ampliação da fronteira de dominação e influência do capitalismo inglês. Um período ocupado pelas guerras napoleônicas e o frágil equilíbrio de uma nova ordem, após a derrota de Napoleão e seu exílio de 1815 em Santa Helena. Uma fase de fluxos e hiatos, em que novas formas de estado, economia e ideologia se anunciavam.
3As disputas pela posição de liderança e potência entre Inglaterra e França espalharam-se na segunda metade do Setecentos por regiões distantes como América e Ásia. A perda das colônias inglesas com a independência dos Estados Unidos deslocou o enfrentamento para o leste. Segundo Simon Schama, já antes do Tratado de Versailles, em 1783, reconhecendo a independência dos estados americanos, a França retornava à Índia para patrocinar o sultão de Mysore na guerra contra os britânicos. 4 A East India Company, que se destacava como empresa comercial e de base territorial no subcontinente indiano, numa fase da ...