Giorgio AgambenImediatamente após a votação, na Câmara dos Deputados, que defagrou o processo de admissibilidade do impeachment da presidente Dilma Roussef, a imprensa internacional repercutiu com espanto o comportamento dos deputados brasileiros, em desacordo com a compostura esperada para situação tão grave. Com o arguto título "A insurreição dos hipócritas", o site da revista alemã Der Spiegel expõe texto do jornalista Jens Glüsing comentando a sessão. "A maior parte dos deputados evocou Deus e a família na hora de dar o seu voto. Jair Bolsonaro até mesmo defendeu, com palavras ardentes, um dos piores torturadores da ditadura militar", diz o articulista. Elementos supostamente restritos à esfera privadaconfssão religiosa, louvação dos laços familiares, assunção de uma ideia particular de moralidade -bizarramente foram invocados como justifcativa de voto parlamentar, a despeito de não se relacionarem com a pauta da votação e de pertencerem à esfera da vida privada, estranha e até mesmo oposta à atuação política.Tal episódio é sintomático de uma sociedade cada vez mais impregnada do individualismo como valor que confunde os limites entre o público e o privado, de modo que interesses particulares ou de um determinado grupo social tomam o lugar do interesse comum. Dado que os interesses particulares são múltiplos e díspares, o espaço público é banalizado, encolhe-se, desvirtuado de sua natureza de expressão do bem comum. Gilles Lipovetsky, um importante pensador sobre o individualismo na sociedade contemporânea, observa que: 1 Doutora em literatura brasileira e