IntroduçãoNo conjunto de reformas por que vem passando a educação brasileira, há uma tendência em substituir, no ensino público, a organização escolar em séries por ciclos: ciclos de formação, de aprendizagem, de desenvolvimento, de progressão continuada. Essa tendência, com suas especificidades, está também presente em reformas realizadas em outros países como Espanha, França, Bélgica, Canadá, Suíça. Ainda que no Brasil tenham existido experiências isoladas que receberam outras denominações, somente na década de 1980 a palavra ciclo passou a designar um modo de organização escolar oposto ao seriado. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, lei n. 9.394/96), tornaram-se possíveis numerosas iniciativas sistemá-ticas de organização escolar nessa modalidade, com proposições diferenciadas, em várias redes municipais e estaduais de ensino. Nessas propostas, a argumentação em defesa dos ciclos esteve sempre vinculada à necessidade de solucionar a grave questão da reprovação na educação pública brasileira. Na rede de ensino privada, em que os índices de reprovação são menos expressivos, essas iniciativas encontram menor ressonância.Vários estudos têm discutido as questões relativas ao delineamento e às implicações dessas propostas (Barretto & Sousa, 2004Freitas, 2003;Franco, 2004;Mainardes, 2007, para citar alguns) e não se pretende abordar esses aspectos. A finalidade do presente artigo é retomar uma questão já esboçada em texto anterior (Miranda, 2005) acerca dos fundamentos da escola de ciclos, ou seja, por que razão a escola deve passar a se organizar em ciclos. Ou, perguntando de outro modo, em que se sustenta a justificação dessa modalidade de organização escolar? A que se destina?Para abordar essa questão, será necessário antes discutir o sentido de escola organizada em ciclos. Perrenoud (2004, p. 35) propôs uma "definição míni-ma", com ênfase na questão da avaliação: "um ciclo de aprendizagem é um ciclo de estudos no qual não há mais reprovação". Com base nesse mínimo critério da ausência de reprovação, não haveria diferenciação entre as propostas de ciclos e as propostas que se limitam à progressão continuada, o que tem levado muitos autores dedicados ao tema a se preocupar em estabelecer uma distinção entre elas. Em um estudo sobre as políticas de ciclos no Brasil, Barretto e Sousa (2005, p. 660) propuseram-se a distinguir e ampliar