A desconstrução de Cabo Verde como um brasilim: um cabo-verdiano em terras brasileiras
Cláudio Alves FurtadoUniversidade Federal da Bahia / Salvador, BA, Brasil cfurtado.unicv@gmail.com resumo O artigo procura, a partir de um registro pessoal, refletir sobre as múltiplas e por vezes ambíguas visões que marcam um desconhecimento de africanos do Brasil e dos brasileiros em relação aos africanos, levando, não raras vezes, a construção de narrativas que tendem a essencializar e reificar o Outro. A matriz africana da cultura brasileira e a influência da ancestralidade africana na formação da identidade cultural brasileira, de um lado, e a visão de um Brasil racialmente mestiço e cordial, veiculada tanto em trabalhos acadêmicos quanto nos produtos de exportação como as telenovelas, tende a conformar uma imagem, no mínimo, romântica dos africanos. Tendo como foco de análise, especificamente, a construção imagética do Brasil em Cabo Verde, o texto confronta tal construção com a vivência de uma realidade que teima em não aceitá-la. contextualizando A construção do conhecimento científico é, amiúde, narrada como resultante de um processo de reflexão centrado no pesquisador, enquanto sujeito cognoscente, afastando o cogito de qualquer relação com a emotione. Rigorosamente, tende-se a tornar anódino e asséptico esse processo reflexivo. Um binarismo excludente se impõe, opondo o cognitivo ao não cognitivo, a razão à emoção. Por este motivo, embora fiquem no domínio do não dito, ou, no máximo, nos cadernos de campo íntimos (em regra, esses cadernos não são explorados nem publicáveis), as dimensões subjetivas do processo de pesquisa não são refletidas e, nesse sentido, ficam à margem da escrita dita científica.46 dossiê | Cláudio Alves Furtado | A desconstrução de Cabo Verde como um brasilim: um cabo-verdiano em terrasComo sugere Mazzocchetti (2015), quando o pesquisador se mostra, fá-lo, em regra, por meio de um jargão que tende a se tornar lugar comum nas narrativas antropológicas, qual seja, a enunciação do lugar de fala do produtor do texto/conhecimento. Na verdade, sustenta esta autora, não basta enunciar o "eu metodológico" (Olivier de Sardan, 2008) ( Mazzocchetti, 2015: 84).