APRESENTAÇÃO
Desde quando se pode detectar a presença das idéias e dos escritos de Georg Simmel (1858-1918 no Brasil? Esta é a primeira questão que orienta este texto. Procuro indicar e investigar os primórdios da recepção de Simmel no Brasil, localizar autores e obras nos quais sua presença se faz sentir e indicar variadas modalidades de recepção, importação, apropriação e discussão das idéias de Simmel no Brasil. A isso acrescenta-se uma ponderação crítica acerca das modalidades indicadas, de sorte a oferecer, como uma primeira abordagem de uma questão ainda inexplorada, não apenas um mapeamento inicial, mas também subsídios para uma valoração que possa indicar os pontos mais fortes e mais fracos, mais amplos e mais restritos, mais ou menos literais, mais ou menos articulados nos modos de lidar e pensar com Simmel, e as conseqüências disso para as pesquisas e disciplinas envol-
11*Agradeço a colaboração preciosa de Glaucia Villas Bôas, Otávio Velho, Gilberto Velho, Gabriel Cohn, Fernanda Peixoto, Juri Jakob e Federico Neiburg, assim como dos participantes do simpósio internacional Simmel e a Modernidade (Belém, novembro de 2006)
Simmel no Brasil*
Leopoldo Waizbortvidas. Sob certo ponto de vista, a investigação faculta acompanhar uma história da sociologia no Brasil.Entretanto, é preciso, antes de tudo, destacar o caráter anti-simmeliano de tal investigação acerca de sua fortuna crítica ou acrítica no Brasil, pois é preciso inventariar e classificar com um ímpeto bastante estranho ao pensamento de Simmel. Além disso, esta investigação -que não pretende completude, apenas exemplaridade em sua diversidadenada tem do empolgante, do cativante e do sedutor que costuma caracterizar Simmel e, rumando na direção oposta, é monótona, cansativa e de resultados rarefeitos. Tal rarefação, contudo, é de interesse socioló-gico e necessita de entendimento.Falar de recepção, de cultural transfers, de apropriações, de circulação de idéias exige, com relação a Georg Simmel, lembrar sua célebre afirmação acerca de sua herança:"Sei que irei morrer sem herdeiros espirituais (e é bom que seja assim). Meu espólio é como uma herança em dinheiro vivo, que é dividida entre muitos herdeiros: cada um converte a sua parte em alguma aquisição de acordo com a sua natureza, de modo que não se pode enxergar a sua proveniência daquele espólio." (Simmel, 1967 [s.d.]:1, ênfase no original, tradução do autor)Para quem escreveu uma filosofia do dinheiro, a analogia é plena de sentidos. Podemos ler no livro de 1900: "[...] a transação com dinheiro tem aquele caráter de uma relação absolutamente momentânea, que não deixa nenhum rastro [...]" (Simmel, 1991(Simmel, [1900:513, tradução do autor). Assim se compreende porque a recepção de Simmel é, em algumas de suas vertentes mais instigantes, subterrânea, oculta e ocultada. De meu lado, lembro apenas que outras formas de propriedade que não o dinheiro trazem consigo vestígios de sua origem -Simmel diria: vestígios que não se deixam apagar, vestígios objetivos ou psicológicos -que fazem com que o propr...