Para introduzir esta reflexão, eu devo dizer logo de saída que o vínculo que será estabelecido aqui entre etnografia das margens e antropologia da cidade não pretende reproduzir a oposição radical ou mesmo "ontológica" entre a marginalidade e a centralidade em si. Muito ao contrário, eu pretendo descrever uma dinâmica, uma dialética, uma relação necessária e, por fim, certa continuidade entre uma e outra. Mais profundamente, eu desejo implementar um método que permita pensar a universalidade da cidade fora de qualquer pretensão normativa, ou seja, segundo uma concepção ao mesmo tempo epistemológica e política. Baseada em pesquisa etnográfica urbana, esta concepção defende a ideia de uma construção/ desconstrução de seu objeto "cidade", rejeitando qualquer definição a priori da mesma enquanto ferramenta analítica. A questão seria antes: o que faz e desfaz a cidade permanentemente? Ela conduz à divulgação de processos e portanto à política que impulsiona o movimento necessário à sua existência, às suas reprodução e transformação.A cidade é um "objeto virtual", escrevia Henri Lefebvre em Le droit à la ville, no início de 1968 (Lefebvre 2009:97). Esta afirmação foi em seguida verificada, indiretamente, na constatação de que o urbano ultrapassava a cidade: o filósofo, por extrapolação da cidade existente, antecipava o nascimento de uma sociedade "completamente urbana" tanto quanto planetária (Lefebvre 1970). Isto conferiu mais força teórica e política à ideia de uma virtualidade da cidade. Mais recentemente, o geógrafo David Harvey observava, após Lefebvre, que o "direito à cidade" aponta no fundo para "alguma coisa que já não existe"; é um "significante vazio", ele escreve, "tudo depende de quem lhe conferirá sentido" (Harvey 2011:42). Como em eco, podemos observar que os atores dos movimentos sociais desta última década, que reclamam o "direito à cidade", não leram necessariamente a obra de Henry Lefebvre... mas fizeram deste apelo um horizonte de sua *