A leitura dos trabalhos de Carlos Chagas sobre a tripanosomíase e a meditação sobre afirmações quanto aos acometimentos do sistema nervoso central (SNC) nessa moléstia, suscita uma série de questões que os esforços de vários pesquisadores ainda não conseguiram dirimir.Aos 30 anos de idade, Carlos Chagas, médico sanitarista, nunca havia sido neurologista militante, nem tampouco, neuropatologista. A pobreza dos recursos da Neurologia naquela época, sobretudo em pleno sertão, teria feito qualquer especialista de nossos dias desanimar antes do início de qualquer pesquisa, mesmo que a grandeza dos resultados lhe fosse mágicamente revelada por antecipação. Daí o significado do trabalho deste sábio brasileiro, cuja argúcia, associada a sólida cultura e fé inabalável nas próprias convicções, sustentaram a chama criadora, na qual moldou sua obra científica.Entretanto, por muito que se admire o grande sábio e sua obra, no campo especial da Neurologia certas questões permanecem abertas: as manifestações sintomáticas que formam síndromes de Little e da diplegia cerebral espástica seriam realmente formas crônicas, evolutivas, da moléstia, como Chagas apontou, ou seriam simples seqüelas, "patias", ou mesmo manifestações de outras moléstias superpostas à tripanosomíase, com incidên-cia acidentalmente acrescida nas populações flageladas em que Chagas descobriu seus primeiros doentes? Quais, então, as verdadeiras formas crônicas da moléstia conseqüentes às formas agudas tão bem configuradas? Como diagnosticá-las comprovadamente? Foi com o espírito voltado para tais incógnitas que reestudamos as publicações relacionadas com este tema. Os comentários subseqüentes serão feitos com o objetivo de procurar respondê-las.O acometimento do SNC na doença de Chagas resulta de dois mecanismos diversos: 1) a penetração do tripanosoma no eixo encefalomedular; 2) os acidentes embólicos na cardiopatia crônica. Constituem estes últimos antes uma complicação neurológica que propriamente o substrato de uma forma clínica da doença. A designação de forma nervosa, de autoria do próprio Chagas 18 . 21 , tem sido habitualmente aplicada apenas às lesões e manifestações sintomáticas que resultam da invasão do SNC pelo T. cruzi.