Introdução: uma questão de métodoEm conformidade com Jacques Rancière (2009), o que define o regime estético das artes é sua relação indiscernível com a democracia; relação experimentada no teatro e na escrita, quando "tais formas revelam-se de saída comprometidas com certo regime da política, um regime de indeterminação das identidades, de deslegitimação das posições de palavras, de desregulação das partilhas do espaço e do tempo" (Rancière, 2009, p. 18).O trecho acima reproduzido de A partilha do sensível diz respeito ao regime estético da arte, compreendido como aquele que torna indiscerníveis logos e pathos, pensamento e matéria, inteligível e sensível, representação e apresentação, ao revogar o princípio mimético de Platão, baseado na separação entre ideia, cópia e simulacro, não sendo circunstancial que assim tenha se perguntado em seu livro mais conhecido, A República: "Pois achas que mesmo que se alguém fosse capaz de fazer as duas coisas: o objeto a imitar e o seu simulacro, aplicar-se-ia com afinco na confecção de simples imagens, vendo nisso o fim precípuo de sua atividade e o que de mais elevado pode alcançar?" (Platão, 1976, p. 392).Sob o ponto de vista do regime estético da arte, com Rancière, "fazer as duas coisas", logos e pathos, não apenas é possível, mas, antes de tudo, tem relação com o que constitui o lado latente do advento da democracia, ainda que como promessa não cumprida, no interior da civilização burguesa, a saber: tornar visível o trabalho de demos, tal como é possível vislumbrar no seguinte fragmento de A partilha do sensível: É preciso sair do esquema preguiçoso e absurdo que opõe o culto estético da arte pela arte à potência ascendente do trabalho operário. É como trabalho que a arte pode adquirir o caráter de atividade exclusiva. [...] Arte e produção poderão se identificar no tempo da Revolução Russa, porque dependem de um mesmo 1 Doutor em literatura comparada, pesquisador do CNPq e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Vitória, ES, Brasil.