N os últimos anos, um heterogêneo conjunto de pesquisadores, equipados com o instrumental analítico acumulado por décadas de ciência social institucionalizada, vem não apenas revisitando o ensaísmo dos anos 30, mas vasculhando a história intelectual do país e produzindo uma quantidade respeitável de análises, pesquisas empí-ricas e historiográficas, interpretações teóricas que têm contribuído para renovar nosso conhecimento dos padrões e dilemas fundamentais da sociedade e da política brasileiras. Esboçado em meados do sé-culo XX, tendo recebido notável impulso nos anos 70, este campo de estudo chegou à maturidade nos 90, constituindo-se em um dos mais produtivos das ciências sociais. Com efeito, além da emergência ou renovação das disciplinas que investigam os fenômenos do viver em transição -como a violência urbana, a pluralização religiosa, a explosão do associativismo, as redefinições das relações de gênero e as raciais, as transformações do mundo do trabalho, a judicialização da políti-ca, o papel da mídia na formação da vontade política da população, a 231 * Com pequenas variações, o artigo reproduz o primeiro capítulo de minha tese de livre docência sobre Linhagens do Pensamento Político Brasileiro, defendida em dezembro de 2005 no
Restringindo-se às décadas regidas pela Constituição de 1946, o artigo concentra-se no curto período em que o Partido Comunista pode ser considerado uma "esquerda positiva", segundo a conhecida distinção de Santiago Dantas. Descreve as principais características das "duas almas" que marcaram a atuação do partido e procura entender as razões de sua força e fraqueza, isto é, os motivos pelos quais, apesar de não pertencer ao sistema político legal, desempenhou um papel político e ideológico maior do que a sua expressão partidária, sindical e eleitoral.
David Capistrano Filho, faleceu, no último dia 10, aos 52 anos, o médico sanitarista, prefeito de Santos no período de 1993 a 1996.
É sintomático que o interesse pela teoria ressurja no momento em que a batalha pela institucionalização acadêmica das ciências sociais parece ter sido definitivamente vitoriosa, e que intervenções reveladoras de um certo desconforto com alguns resultados dessa empreitada venham à luz quando as pressões das agências financiadoras de pesquisa e as disputas metodológicas internas às próprias disciplinas parecem forçar um novo passo no sentido da padronização unidimensional da atividade científica e do reequacionamento disciplinar da formação do cientista social. É encorajador que ele ocorra quando a profundidade da crise intelectual e a velocidade das transformações econômicas, sociais, tecnológicas e políticas contemporâneas estão explodindo os quadros apodrecidos de nosso pensamento, tanto em sua versão apocalíptica como na integrada.Na experiência brasileira, institucionalização acadêmica e profissional das ciências sociais e investimentos no sentido de construção da teoria caminharam em sentidos opostos.Como lembrou Gabriel Cohn, as tentativas mais ambiciosas de produzir teoria simultaneamente estimuladora da pesquisa empírica, atualizada perante os desenvolvimentos da Filosofia e da reflexão metodológica internacional e solidamente amarrada à defesa da relevância dos projetos intelectuais para a vida pública esgotam-se no início dos anos 60 com a polêmica entre Guerreiro Ramos e Florestan Fernandes sobre a natureza e o papel da teoria social. Depois disso, ao longo do processo de institucionalização da ciência acadêmica, durante o período militar, a teoria vira um instrumento para ser acionado pontualmente, ao tempo em que há uma politização exacerbada da ciência social.É nítida, neste ponto, a defasagem entre as ambições com as quais partimos, marcadas pela vontade de responder ao desafio marx-weberiano de produzir um conhecimento capaz de se enfrentar com os demônios do nosso tempo, e alguns resultados aos quais chegamos -quando se tenta impor a hegemonia de um partido intelectual que reduz o conhecimento científico à adoção e ao refinamento de procedimentos técnicos, ao mesmo tempo em que, externa
Vivemos em um país tão informal e carente de padrões que talvez não seja demasia chamar a atenção para a carga de civilidade contida nos rituais com que homenageamos nossos maiores. De fato, um dos costumes mais civilizados da vida acadêmica é a organização de coletâneas sobre o pensamento de um autor do qual se reconhece senhoridade, isto é, liderança intelectual em uma determinada disciplina ou área de pesquisa, ou sobre uma ou duas gerações. Os aniversários dos sessenta, setenta ou oitenta anos são as oportunidades para agregar uma série de pesquisadores – discípulos, companheiros, interlocutores e mesmo críticos –, em torno de projetos de reavaliar, seja um livro que tenha sido particularmente inovador, seja o conjunto da produção e a trajetória de vida de uma personalidade que fez avançar o conhecimento, influiu politicamente ou marcou o modo pelo qual um grupo de pessoas vê o mundo. Quando a coletânea é bem organizada e os participantes são gente de talento, então o produto final pode ajudar a fixar os grandes traços de um pensamento, tornar mais nítida sua riqueza e diversidade e, até mesmo, iluminar alguns aspectos que não eram evidentes quando foram formulados no calor da hora. É esse o caso de A Grande Esperança em Celso Furtado, conjunto de ensaios que Luiz Carlos Bresser Pereira e José Márcio Rego, professores da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, organizaram para homenagear o economista aos seus 80 anos. O livro, publicado no final de 2001 pela Editora 34, traz, além da apresentação, 14 textos que exploram diferentes facetas da elaboração intelectual e da participação política daquele que foi, seguramente, o cientista social brasileiro mais influente no século XX. Como um brinde, traz também uma síntese exemplar da visão furtadiana sobre “O processo histórico do desenvolvimento”, originalmente um capítulo de Desenvolvimento e Subdesenvolvimento (1961) que fora retirado quando esse livro foi bastante refundido e ampliado em Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico (1967). Lembrando a distinção de Sartre, deve-se dizer que ao lado da obra mestra Formação Econômica do Brasil (1959), esses dois livros comprovaram o fôlego teórico de Furtado e consolidaram sua posição como criador, isto é, como “filósofo” e não apenas como mero “ideólogo”, reprodutor, continuador ou aplicador do pensamento de outrem.
Como a pessoa e a ação do governante atual costumam provocar amores e ódios com a mesma intensidade, é difícil encontrar uma análise distanciada da conjuntura e equilibrada o suficiente para nos ajudar a compreender a natureza das transformações em curso e as implicações históricas, positivas ou negativas, da política que vem sendo executada. Desapaixonada certamente a do professor Cândido Mendes não é, mas salvo engano, as 100 primeiras páginas de seu recém publicado A Presidência afortunada -depois do Real e antes da social-democracia, devem constituir a mais ambiciosa tentativa até agora empreendida por um cientista político de examinar a figura e a performance do intelectual e do político profissional Fernando Henrique Cardoso. Só isso seria suficiente para assegurar o seu interesse, não fosse o autor um intérprete ousado e, sob certos aspectos, original do processo político em curso.A segunda parte do livro do reitor da Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro, é composta por artigos publicados em alguns dos principais jornais do país. Apesar da linguagem barroca, plena de metáfo-ras e construções estilísticas retorcidas, que por vezes torna a leitura difícil, não há dúvida de que temos diante de nós um texto cheio de percepções, hipóteses e análises sugestivas.Trata-se, é certo, de um livro de alguém fascinado pela personalidade intelectual e política de Fernando Henrique Cardoso, de quem reconstrói sinteticamente a trajetória desde os tempos da USP e da circulação acadêmica internacional até a adesão ao MDB, a senatoria e a Presidência; e a quem considera "um Presidente que exorbita os quadros normais de uma expectativa creditável ao maior desempenho de uma persona brasileira" e, num século tremendamente "severo e avaro" quanto à qualidade dos governantes, comparável favoravelmente à figuras como Malraux e De Gaulle, Poincaré e Woodrow Wilson, Mitterrand e Léon Blum, todos de alguma forma doublés de acadêmicos e políticos.Não se conclua daí, apressadamente, que temos um livro apologético do presidente e do seu governo. Ao contrário, a análise de Cândido Mendes é extremamente crítica, marcada por uma tensão enorme, na qual tenta surpreender a lógica da atuação de Fernando Henrique Cardoso e, ao mesmo tempo, confrontá-la com suas próprias promessas e o seu próprio discurso. O resultado da "Presidência afortunada" é, como ele próprio reconhece, trágico, contendo a hipótese não só do fracasso, mas sobretudo do pior tipo de acusação que é possível fazer a um político, sobretudo aquele que quer ficar para a história, o de "ser culpado pelo que não fez". O Fernando Henrique Cardoso que emerge da escrita de Cândido Mendes não é um "rei-filósofo" nem um "intelectual no poder", mas um político profissional dotado de consciência histórica, alguém plenamente consciente dos seus objetivos e do preço a pagar para alcançá-los, mas, por isso mesmo, solitário, consciente da tragicidade de sua posição, que tenta racionalizar como pode.Mendes aponta o tempo todo a contradição entre o discurso e a prática, isto é, acei...
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