Talvez, pensar de maneira generalizante no que consiste um espaço não seja uma questão problemática. Mas, se o espaço que se pretende delinear é o da escrita, temos nas mãos alguns enigmas, que se dissimulam em questões aparentemente óbvias: qual seria o espaço pertinente à escrita e quais as leis que regem esse espaço? Não busquemos responder apressadamente.Dentro de casas, crianças deixadas a sós, mal aprendem a empunhar um lápis, um objeto cortante que seja, e logo estão a traçar linhas, sulcos nas paredes.Ao lado de fora das casas, aqueles a que se chamam marginais demarcam seus territórios com desenhos tantas vezes indecifráveis, algumas vezes a própria assinatura ou escritos ilegíveis. Em território mais aberto, estão muitas vezes aqueles a quem se chamam loucos, registrando nas paisagens pelas quais vagam, com suas letras fulgurantes, alguma presença impossível de não se ver ou as vozes que lhes atravessam em meio a ambientes descampados, a céu aberto.Mais ordenada, a escrita habita algumas vezes ambientes sagrados, onde leitura e prece fazem-se num só gesto. É o que se vê, por exemplo, em uma mesquita islâmica:A mesquita -não há altares, não há imagens, mas há letras árabes em toda parte. Esses sinais, curiosamente revoltos e cursivos, aparecem pintados e esculpidos nas paredes, tecidos nos tapetes e nos medalhões que pendem do teto. A letra árabe é a razão de ser da mesquita. Por ser uma casa da escrita, é a mesquita uma casa de Deus. A mesquita é uma casa de leitura, porque leitura é prece. 1 Na mesquita, a letra é suporte do sagrado, e sua leitura é prece. A escrita é o acesso a um campo absoluto. E, se quisermos conceber pela linguagem um campo absoluto, onde habita o sagrado, podemos evocar uma única palavra, que nos daria acesso a todas as outras: o infinito. Palavra que contém em si os limites da 1 RAMEZÁ, A caligrafia Árabe, p. 31.