Uma problemática das mais importantes no trabalho de Paulo Freire é o fatalismo. Por isso, a sua proposta pedagógica visa à promoção de seu oposto: a ação do sujeito em seu contexto, a percepção de que é possível e necessário agir para mudar o mundo. O presente texto pretende apresentar a questão a partir de um ângulo específico: reconhecendo a relevância do testemunho para a estrutura da pedagogia de Freire, irei mimetizar o seu tom reverencial no início do meu texto. O testemunho, como retórica cristã, apresenta uma experiência pessoal ao interlocutor de modo a provocar neste uma identificação e transformação interior. É uma fala não apenas informativa, mas performativa. O testemunho pode ser entendido, portanto, como um ato de fala (ou de escrita), capaz de articular uma experiência de verdade para uma audiência/público. No caso de Freire, a experiência narrada envolve a de sua participação na pobreza e nas dificuldades dos oprimidos. A verdade é o seu diagnóstico do Brasil e o público desejado é composto pelos oprimidos a serem libertados e pelos educadores e agentes sociais que irão trabalhar por essa transformação social.
A religião vem se consolidando como um tema de controvérsia e manifestação nas eleições brasileiras das últimas décadas. Apesar disso, os pesquisadores têm se mantido restritos aos agentes religiosos, ignorando a sua contraparte relacional, isto é, os agentes que questionam ou rejeitam a presença religiosa na política eleitoral. Este artigo pretende discutir as críticas feitas ao pertencimento religioso da candidata Marina Silva, sobretudo pela via do humor, como uma maneira de acesso à sensibilidade secular da política brasileira contemporânea. Uma das conclusões é a de que o conflito entre distintas comunidades morais pode ser melhor compreendido por meio do conceito de cismogênese, proposto por Bateson, e que esse conflito mantém ativa a tensão dinâmica entre o religioso e o secular.
Durante pesquisa de campo, observei diversas atitudes de 'ajuda'. O presente artigo é uma descrição dessas relações sob a ótica da interação de dois coletivos de agentes: os católicos que presidem o Centro Social Marista e os jovens atendidos por esse Centro. A partir das 'ajudas' e da decorrente alteração de status advinda da consideração de uma bem sucedida 'inclusão social', analiso a produção de indivíduos exemplares, de cuja pedagogia traço a face ritual. Tais indivíduos estabelecem com outros jovens uma relação de exemplaridade que, por sua vez, e fechando o circuito, é central para a concretização do sistema de trocas baseadas na gratuidade e para a tentativa de consolidação de uma comunidade moral de semelhantes.
Resumo Em um Centro Social Católico, os jovens bem-sucedidos no processo de inclusão social eram incentivados a oferecer um testemunho de sua trajetória de vida para os outros jovens excluídos. Tal prática era fundamentada na pedagogia de Paulo Freire e visava demonstrar o protagonismo e o “empoderamento” dos jovens. O presente artigo visa explorar uma série de imbricamentos dessa prática do testemunho, mostrando como ele é, ao mesmo tempo, cristão e secular, informativo e performativo, individual e relacional. Concluo que a eficácia do testemunho depende desses imbricamentos, visíveis em sua historicidade (da pedagogia de Freire ao uso contemporâneo) e na sua temporalidade relacional (o passado do narrador é projetado no futuro da audiência), evidenciando a secularidade católica brasileira.
Eu não estou reivindicando algum tipo de teocracia do século XXi. A fé religiosa e seus seguidores não têm a única resposta. Haverá momentos em que políticos e líderes religiosos irão discordar. Mais ainda, o secularismo não é intrinsecamente danoso. Minha preocupação é quando a secularização é forçada a um extremo, quando ela demanda a remoção completa da fé da esfera pública. [...] Eu estou clamando por uma maior confiança na fé, em que a fé tenha um lugar à mesa e não uma posição exclusiva.baroness Warsi 1 o texto acima -parte das declarações de Sayeeda Warsi (chairman do Partido conservador e primeira muçulmana a ser ministra no reino Unido) por ocasião de seu encontro, no dia 14 de fevereiro, com o Papa bento XVi na Santa Sé -demonstra de maneira inquestionável o embate do e com o secularismo no mundo ocidental contemporâneo.2 Embora o caso não se desenvolva da mesma maneira em território brasileiro, é possível sentir por aqui semelhanças e reverberações da crise. Seja por meio das polêmicas relativas à legalização do aborto, seja pelas discussões acerca da bancada evangélica, ou ainda pela profusão de best-sellers -como Deus não é grande, de Hitchens, ou Deus, um delírio, de Dawkins -não é fácil dizer que a problemática do que vem sendo chamado de secularismo escapa de nossa vista. Entretanto, o mais provável é que a percepção do conflito tenha motivado a tomada de posição política ao invés de um aprofundamento das pesquisas acadêmicas.
How have anthropologists related to extraordinary or supernatural phenomena (the transcendent) in disciplinary definitions of religion and in the practice of social analysis? This text argues that the discipline's engagement with alterities that dispute our ontological secular conceptions makes evident its form of knowledge production. The central claim is that anthropology's secularity is not fixed and should be discussed as part of a historical process. I propose to analyse two modalities of secularity, which I term 'extinction' and 'captivity'. A second claim is that despite their differences, both modalities (re)produce to its academic and Euro-American audience anthropology's own secularity as a natural human condition. A third claim is that by recognising the characteristics of our discipline's secularity we may start to speak of a plurality of secular ontologies as a way to register the multiplicity of 'worldliness' that traditions and individuals may assume or call for.
O Brasil é reconhecidamente um país de formação histórica católica. Apesar das rupturas institucionais com a Igreja e dos conflitos políticos que daí resultaram, o processo de secularização do Estado que acompanhou a institucionalização das estruturas polí-ticas republicanas não se caracterizou, no entanto, nem pelo anticlericalismo, nem como uma luta contra a religião. Além disso, as disputas de parte das elites brasileiras contra a Igreja Católica não foram sinôni- RESUMOApesar do aumento significativo do número de brasileiros que se declaram sem religião, de acordo com o Censo de 2010, o ateísmo como doutrina política permanece praticamente invisível como fenômeno social e como objeto de pesquisa acadêmica no Brasil. A partir da problemática mais ampla da discussão sobre a laicidade e a formação de uma sociedade secular, este artigo propõe descrever a tentativa de veiculação de uma campanha ateísta nos transportes públicos (por parte da Associação de Ateus e Agnósticos -ATEA) e analisar as razões para o fracasso da campanha. Considerando as reações à campanha e a acusação de "fundamentalismo" direcionada à ATEA, argumentamos que o ateísmo é reinterpretado socialmente no Brasil como uma escolha interna ao campo das religiões.PALAVRAS-CHAVE: ateísmo; campanha ateísta; ATEA; religiões; laicidade; Brasil. ABSTRACTAccording to the 2010 census the number of Brazilians that consider themselves as non-religious has increased substantially. Nevertheless, atheism as a political doctrine and as a subject of research remains an almost invisible phenomenon in Brazil. As part of a larger ongoing research on the formation of a secular society and on the social limits of laicity in Brazil this text presents a description of the attempt of the Association of Brazilian Atheists and Agnosticists (ATEA) to launch a campaign in the public transport system and analyse the reasons of its failure. After the reactions to the ATEA campaign and the accusations of fundamentalism we claim that the atheism is socially interpreted as a personal choice within the scope of religion.
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