Este artigo traz algumas considerações de ordem analítica e políticas sobre o processo de zumbificação ou embruxamento na universidade e nas promessas de uma educação superior. O artigo ancora-se em material diverso (fragmentos de uma biografia, diários de campo da vida acadêmica e romances literários), proveniente de pesquisa na África do Sul e no Zimbábue. O argumento etnográfico tem duas interlocutoras principais que defendem o que chamamos de uma composição-terra. Elas lutam para se desvencilhar do aniquilamento colonial e racista que restringe suas vidas ao que denominamos de composição-plantation. Suas considerações sobre como o humano é reduzido a mero human resource na universidade, na educação superior e além, conformam argumentos etnográficos com força para confrontar a devastação capitalista promovida em nome de um sujeito universal de conhecimento. A principal proposta do artigo é, portanto, uma transformação analítica dos conceitos de alteridade, igualdade e diferença.
Resumo: Nosso texto se debruça sobre os escritos etnológicos de Archie Mafeje. Este autor sul--africano que viveu boa parte de sua carreira acadêmica no exílio, formulou críticas contundentes às ciências sociais em geral e à antropologia em particular. Para ele, formações sociais que desafiam nossas abordagens taxonômicas e dualistas, continuam sendo encarceradas em escaninhos estreitos e claustrofóbicos, em abordagens voltadas para a classificação e a interpretação do Outro. Esta ideia de alteridade baseia-se em uma leitura teórica que segrega o sujeito do objeto de escrutínio, da análise social. Em trabalhos que apontam os equívocos de estudos antropológicos, históricos e de sociologia urbana no continente africano, Mafeje demonstra como as apostas epistemológicas das ciências sociais legitimaram ideias e ideais de sociedades imóveis, circunscritas a limites territoriais demarcados no período colonial. Em suma, temos confinados o Outro, ao mesmo tempo em que temos nos satisfeito com modelos analíticos que perversamente permitiram o avanço da expropriação de terras e seus efeitos: xenofobia, êxodo, intolerância e racismo. A saída para Mafeje estaria no estabelecimento de uma interlocução autêntica, fundada não numa divisão entre o Eu e o Outro, mas no que ele chama de ontologia combativa. Segundo o autor, ao fazer etnografia, estaríamos recompondo o mundo para além dos dualismos e das cisões. Com tal proposta, Mafeje defende um projeto pós-antropológico de produção de conhecimento.Palavras-chave: Archie Mafeje, alteridade, ontologia combativa, interlocução autêntica, etnografia.
Porto Alegre v. 12 n. 3 p. 469-488 set.-dez. 2012 Os conteúdos deste periódico de acesso aberto estão licenciados sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição-UsoNãoComercial-ObrasDerivadasProibidas 3.0 Unported. Ser embruxado Notas epistemológicas sobre razão e poder na antropologia* Being bewitched Epistemological notes on reason and power in anthropology Antonádia Borges** Resumo: A partir da experiência de farm dwellers sul-africanos em luta pelo direito a terras onde possam conviver com seus ancestrais, este texto aproxima Estado e Bruxaria a fim de discutir razão, poder, relativismo, cultura e universalismo. Ambos os conceitos, de alastrada presença na antropologia, mostram-se refratários aos projetos de transformação nos quais se empenham os sujeitos desta pesquisa, dedicados a se livrarem dos grilhões modernistas que, tendo por base um ideal de racionalidade, os segrega no tempo e no espaço. A perene e alastrada presença desses conceitos em etnografias contemporâneas tanto indica o caráter ativo do fardo modernista que a disciplina carrega como revela o quanto a abordagem antropológica se aproxima dos modos de embruxamento operados pelo Estado.
Resumo: Coadunando ficção literária e etnográfica, o presente artigo toma como inspiração o romance Disgrace de Coetzee, os chamados discursos de ódio atribuídos a Julius Malema e a experiência dos moradores de fazenda na região de Kwazulu-Natal para problematizar disputas entre “ideais de existência” que têm cães como mediadores. O objetivo aqui é atentar para o efeito epistemológico que o entendimento das trocas de insultos por meio dos animais pode ter sobre nossa compreensão do racismo na África do Sul e alhures, e sobre o papel da antropologia a esse respeito.
IntroduçãoNo Distrito Federal encontramos com recorrência, nas apreciações de senso comum a respeito da vida nas cidades que circundam Brasília, uma série de termos que pontuam parte significativa dos estudos sociológicos sobre fenô-menos políticos e/ou eleitorais. Não raro, a vida de milhares de pessoas é considerada apolítica, porque marcada pelo clientelismo. Sabemos bem que, ao menos nos textos considerados clássicos, termos como clientelismo, populismo ou coronelismo eram tratados com extremo rigor, sendo invariavelmente referidos a fenômenos específicos, para os quais tais categorias encerravam um valor heurístico preciso (p.ex., Queiroz 1969;Leal 1949). A transposição ordinária desses termos para todo e qualquer contexto indica não apenas a imprecisão teórica daqueles que assim procedem, como descortina seu preconceito. Preconceito moral (moralista e moralizante) que não se desvincula do preconceito sociológico característico desse tipo de apreciação.Incomodada com essa retórica que tropeça nas pedras pretensamente relativistas espalhadas pelo caminho, procurei compreender como certos fatos sociais totais, por assim dizer -como o Estado, o governo, a política, as eleições -, eram vividos por pessoas que moravam na cidade do Recanto das Emas. Neste artigo, proponho um confronto entre o conhecimento produzido etnograficamente e esse tipo de formulação calcada em antagonismos morais ao analisar as implicações dos sistemas cadastrais desenvolvidos pelo governo local para hierarquizar a população em uma escala de merecedores de um lote. As pessoas que se cadastram se envolvem com os funcionários do governo de forma dissonante: não se trata de uma relação exclusivamente burocrática ou personalista. De seus encontros resultam sobretudo documentos, isto é, registros gráficos, provas materiais que tornam palpáveis e presentes as alterações na vida de ambos. Os papéis que cada MANA 11(1):67-93, 2005
ResumoA partir de duas experiências etnográficas, uma no Brasil e outra na África do Sul, abordo neste artigo a relação imaginativa que as mulheres engendram com suas moradias, concebidas a partir de um ideário modernista de urbanismo. Com os investimentos teóricos e metodológicos dessas mulheres, o que era habitação se torna a casa, na medida em que elas mesmas engendram a habilidade de receber, de se tornarem anfitriãs. As cruciais lições aprendidas com essas mulheres, suas casas, seus métodos e teorias nos ajudam a desafiar cisões ainda perenes na antropologia como aquelas entre público e privado e entre sujeito e objeto.
Resumo A partir de uma etnografia do processo de reivindicação e implementação da política de ações afirmativas para os programas de pós-graduação da Universidade de Brasília, o texto procura refletir sobre a afinidade e a imbricação entre critérios de excelência acadêmica, colonialidade do saber e racismo institucional. O artigo resgata eventos que antecederam os acontecimentos do ano de 2020, a fim de coadunar os enfrentamentos locais com outras agendas de longa data que tiveram estopim em momento concomitante, como o movimento #BlackLivesMatter. Seu objetivo é apontar para a necessidade de se dessenhorizar a academia e enfrentar sua constituição plantation. O artigo frisa ainda a importância da prática etnográfica nas instituições de ensino e pesquisa em que atuamos e onde, em nosso cotidiano, dilemas éticos com implicações políticas e epistemológicas cruciais têm lugar.
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